São Paulo, sábado, 29 de setembro de 2001

Próximo Texto | Índice

EVOLUÇÃO

Suricata, mamífero africano, ajuda a alimentar prole alheia; comportamento aumenta chance de sobrevivência

"Solidariedade" animal também dá lucro

Divulgação/Science
Suricata mantém vigilância para detectar sinais de predadores


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Solidariedade pode não ser uma questão moral, mas meramente um mecanismo criado pela seleção natural. Essa visão pouco romântica do que seria um dos mais nobres traços de comportamento voltou à pauta na semana passada, com um estudo de animais feito na África do Sul.
Um grupo de cientistas das universidades de Cambridge, no Reino Unido, e de Stellenbosch, na África do Sul, passou vários anos investigando o comportamento de suricatas (Suricata suricatta).
Eles descobriram não só que esses bichos apresentam um comportamento solidário para alimentar os filhotes da comunidade, que se beneficiam da generosidade de suas "babás", como também que essa atividade supostamente altruísta oferece vantagens aos que a realizam.
Os suricatas, tornados populares pelo personagem Timão do desenho animado da Disney "O Rei Leão", são animais sociais, ou seja, vivem em bandos. Os grupos chegam a ter 30 integrantes. Em geral, compõem-se de um macho e de uma fêmea dominantes, que são os pais de cerca de 80% de toda a prole da comunidade, mais os filhotes e alguns agregados -chamados de ajudantes (em inglês, "helpers").
Esses membros da comunidade passam as primeiras 10 a 12 semanas de vida dos recém-nascidos ajudando-os na sua alimentação. Algumas vezes, os ajudantes guardam parentesco com os filhotes; em outras não.
"Já mostramos que não há associação forte entre quão aparentados são os ajudantes dos filhotes e quanto trabalho eles fazem", disse à Folha Timothy Clutton-Brock, o líder da equipe.
A conclusão não apóia a idéia de que o comportamento altruísta seja uma tentativa de promover a propagação de genes para as futuras gerações -já que os suricatas observados não fazem distinção entre filhotes com que tenham parentesco, e portanto genes em comum, e filhotes não-relacionados (leia texto à direita).

Bondade lucrativa
Outra conclusão do estudo, cujos resultados saíram na edição de ontem da revista "Science" (www.sciencemag.org), é a de que não só os filhotes se beneficiam da generosidade dos ajudantes, mas que os próprios benfeitores se saem melhor com isso. Ou seja, dá lucro ser bonzinho.
Primeiro, eles aprimoram sua habilidade para coletar alimentos (os suricatas se alimentam de insetos, pequenos vertebrados e ovos) ao ajudar os filhotes.
Segundo, ajudar os filhotes a vingar significa aumentar o tamanho do grupo. Quanto maior o número de indivíduos, maior é a chance de detectar predadores em tempo para uma fuga. "A sobrevivência e o sucesso reprodutivo de todos declina rapidamente quando o tamanho do grupo diminui", diz Clutton-Brock.
O cientista também não descarta a possibilidade de outras vantagens não observadas. "O que é preciso agora são testes de diferentes idéias sobre os benefícios para os ajudantes", afirma.

Solidariedade animal
Ao que tudo indica, a generosidade para com a prole alheia não é exclusividade de suricatas e humanos. Os pesquisadores já estão buscando resultados similares em outras espécies. "Estamos também trabalhando com outras fuinhas e esperamos colaborar com pessoas que estudam toupeiras. Outros membros do meu grupo de pesquisa também trabalham com pássaros cooperativos", diz.
Esses trabalhos, entretanto, demandarão muito tempo para serem concluídos. As observações de Clutton-Brock já duram oito anos. "Leva um ano apenas para acostumar um grupo com a observação próxima", conta.


Próximo Texto: Altruísmo fez época no debate da sociobiologia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.