São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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Periscópio

A dispersão dos continentes

José Reis
especial para a Folha

Durante séculos acreditou-se que a distribuição das terras e dos oceanos houvesse permanecido constante ao longo do tempo. Para explicar a presença de floras e faunas iguais em continentes distintos apelava-se para a existência de pontes submarinas entre eles.
O primeiro sério opositor dessa ortodoxia foi Alfred Wegener, que no começo deste século elaborou, baseado em numerosos indícios, a hipótese da migração continental, segundo a qual os continentes se moviam, rachando-se em algumas regiões e colidindo noutras. Teria havido um primitivo supercontinente, Pangéia, que teria começado a dividir-se no fim da Era Mesozóica, entre 225 e 64 milhões de anos atrás. Seus componentes separaram-se em épocas diferentes: primeiro a América do Sul e a África, a América do Norte e a Europa. Depois o Oceano Índico principiou a abrir-se. A seguir a Austrália e a Nova Guiné se afastaram da Antártida e assim por diante.
A hipótese de Wegener foi rejeitada pelos geólogos e geofísicos, e somente nas três últimas décadas a grande massa desses especialistas aceitou a movimentação dos continentes. Hoje costuma-se discutir essa mobilidade lateral em termos da abrangente teoria tectônica de placas, envolvendo tanto terras quanto mares.
Os estudiosos admitem hoje que antes da Pangéia houve outros supercontinentes, que se formaram diversas vezes na história da Terra e depois se desintegraram. Há quem entenda que esse processo de separação e união das terras é cíclico, calculando-se 400 milhões de anos para o ciclo todo.
Recentemente apareceram dois trabalhos sobre o aspecto da face da Terra há cerca de 600 milhões de anos. Um deles foi apresentado por Ian Delaiel, da Universidade do Texas, e Eldridge Moores, da Universidade da Califórnia em Davis. Esses geofísicos basearam-se principalmente no encontro, no mar de Weddell (Antártida), de uma antiga formação rochosa conhecida como cinturão de Granville, que, partindo do norte do Canadá, corre ao longo da costa oriental dos Estados Unidos e, a seguir, mergulha e perde-se de vista no sudeste do Texas. Essa conexão geológica, associada a observações paleomagnéticas, sugere que a Antártida e a Austrália teriam sido empurradas contra a costa ocidental da América do Norte no fim do Período Pré-Cambriano (entre 1 bilhão e 570 milhões de anos atrás), como parte de um bloco supercontinental que englobava ainda a África e a América do Sul. Há 570 milhões de anos o atual Pólo Sul estaria provavelmente a 1.500 km do local onde hoje se encontra Las Vegas.
Por sua vez, Paul Hoffman, do Geological Survey do Canadá, em Ottawa, pesquisou a posição dos continentes há 500 milhões e 700 milhões de anos ("Science", 252, 1.409). Segundo vários especialistas, a maioria dos continentes antes daquele tempo estava reunida num supercontinente composto por: América do Norte e Groenlândia (Laurentia), o escudo báltico e a plataforma russa (Baltea), a Sibéria, partes da África, Austrália, América do Sul e Antártida. Mais tarde a América do Sul, a África, a Arábia, a Índia, a Antártida e a Austrália teriam formado outro supercontinente, Gondwana, do qual existem provas geológicas.
Hoffman procurou imaginar a disposição das massas continentais e concluiu que, na mudança do primeiro para o segundo supercontinente, houve uma espécie de virada ao avesso, de maneira que a Laurentia, parte central há 700 milhões de anos, foi expelida do conjunto há 500 milhões de anos. Os fragmentos continentais em torno do bordo do primeiro conjunto começaram a separar-se da parte central, rodaram e novamente se uniram, dando origem a Gondwana.


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