São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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FÍSICA QUÂNTICA
Cientistas tentam aplicar no mundo macroscópico as leis que explicam o comportamento dos átomos
Estudo concilia "vida" e "morte" de partícula

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
EDITORA-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Imagine um gato que está vivo e morto ao mesmo tempo. Impossível? Nem tanto. Em uma escala muito mais simples, foi isso que pesquisadores dos EUA e da Holanda quase conseguiram comprovar. Mas foi por pouco.
Mecânica quântica parece nome de remédio -e dos bem amargos-, mas, na verdade, é uma revolucionária teoria desenvolvida nos anos 20 deste século, que permite resultados estranhos, como um corpo poder estar em dois estados ao mesmo tempo.
Desenvolvida para englobar comportamentos na escala microscópica que a física clássica não conseguia explicar, a mecânica quântica muitas vezes vai contra o senso comum.
Por exemplo, em um experimento no qual um átomo tem igual probabilidade de passar por duas fendas, para a mecânica quântica a superposição (soma) desses dois estados (passar pela fenda A ou B) vai determinar a probabilidade final. Ou seja: a teoria proíbe concluir que o átomo passou pela fenda A ou B.
Faz sentido? Não muito. Mas, como afirmou o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), qualquer pessoa que não fique chocada com a teoria quântica não a entendeu.
"A física quântica não é difícil de entender, mas é tão oposta à intuição que é difícil construir uma idéia básica da teoria", explica o físico holandês Casper van der Wal, em entrevista à Folha.
Em experimento publicado na última edição da revista "Science" (www.sciencemag.org), o grupo de cientistas liderados por Van der Wal chegou um passo mais perto de conseguir provar o desafio criado em 1935 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, um dos pais da teoria quântica.
O problema da teoria quântica surge na hora de aplicar em escala macroscópica aquilo que faz sentido em grau microscópico.

Experiência imaginária
No experimento mental chamado de "Gato de Schrödinger", o gato imaginário do físico (um objeto macroscópico) é fechado numa caixa contendo um recipiente de cianureto e um átomo radioativo (objeto microscópico).
O átomo está em estado metaestável, ou seja, seu núcleo tem 50% de chance de romper-se. Se isso acontecer, o recipiente quebra, o cianureto é liberado e o gato morre. Se ele continuar no estado metaestável, o recipiente não racha e o gato continua vivo.
O estado quântico é uma superposição dessas duas possibilidades. Enquanto a caixa não for aberta, o gato está vivo e morto (o que é diferente de estar vivo ou morto, que seria a explicação da física clássica). Só ao abrir a caixa se define a potencialidade de um dos resultados. É o ato de mensuração que resolve as potencialidades quânticas.
Foi esse desafio que os cientistas da Universidade Delft, Holanda, e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), EUA, quase resolveram -em uma escala bem mais simples, sem despertar a ira de ONGs protetoras de animais.
Desde os anos 80 já havia sido proposto que um sistema macroscópico poderia se comportar de acordo com as leis da física quântica se ele estivesse suficientemente desacoplado de seu ambiente. Um dos possíveis candidatos seria o Squid (um equipamento supercondutor).
A peculiaridade do supercondutor é que nele um enorme número de pares de elétrons se condensa em um estado quântico, comportando-se como um único elétron. Isto é, um corpo macroscópico (embora muito menos complexo que um gato) age como um corpo microscópico.
No experimento foram usados um par de anéis supercondutores acoplados e foi aplicada uma corrente elétrica. Os sentidos horário e anti-horário da corrente elétrica corresponderiam aos estados "vivo" e "morto" do gato.
A experiência foi capaz de fazer com que a corrente elétrica corresse simultaneamente em ambas as direções. Conseguiu-se comprovar muitos elementos necessários para a obtenção do "gato quântico macroscópico", mas há detalhes técnicos que levam cientistas a discutir se todos os quesitos realmente foram cumpridos. Um deles é se houve coerência na superposição dos estados.
"Nós e outros grupos planejamos fazer mais experimentos avançados com o "Gato de Schrödinger" para demonstrar mais extensivamente se ele realmente pode ser um objeto quântico. Queremos estudar os detalhes da transição do mundo quântico para o clássico", afirmou Casper van der Wal, o autor principal do estudo.

Dominar o mundo
O consolo é que se chegou um passo mais perto de aplicar a teoria quântica ao mundo macroscópico. Apesar de ainda muito distante, a meta final da física quântica é tornar-se universal, explicando fenômenos hoje compreendidos só pela física clássica.
"Os físicos agora vêem um rascunho de como o mundo macroscópico resulta do mundo quântico. Entretanto, entender isso em detalhe permanece muito difícil e será tema para pesquisa por vários anos ainda", diz Van der Wal.
O problema da aplicação da teoria é que o número de partículas em objetos macroscópicos é tão grande que é muito difícil acompanhar o que acontece exatamente, explica o físico.


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