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FÍSICA QUÂNTICA
Cientistas tentam aplicar no mundo macroscópico as leis que explicam o comportamento dos átomos
Estudo concilia "vida" e "morte" de partícula
ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
EDITORA-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Imagine um gato que está vivo e
morto ao mesmo tempo. Impossível? Nem tanto. Em uma escala
muito mais simples, foi isso que
pesquisadores dos EUA e da Holanda quase conseguiram comprovar. Mas foi por pouco.
Mecânica quântica parece nome de remédio -e dos bem
amargos-, mas, na verdade, é
uma revolucionária teoria desenvolvida nos anos 20 deste século,
que permite resultados estranhos,
como um corpo poder estar em
dois estados ao mesmo tempo.
Desenvolvida para englobar
comportamentos na escala microscópica que a física clássica
não conseguia explicar, a mecânica quântica muitas vezes vai contra o senso comum.
Por exemplo, em um experimento no qual um átomo tem
igual probabilidade de passar por
duas fendas, para a mecânica
quântica a superposição (soma)
desses dois estados (passar pela
fenda A ou B) vai determinar a
probabilidade final. Ou seja: a teoria proíbe concluir que o átomo
passou pela fenda A ou B.
Faz sentido? Não muito. Mas,
como afirmou o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962),
qualquer pessoa que não fique
chocada com a teoria quântica
não a entendeu.
"A física quântica não é difícil
de entender, mas é tão oposta à
intuição que é difícil construir
uma idéia básica da teoria", explica o físico holandês Casper van
der Wal, em entrevista à Folha.
Em experimento publicado na
última edição da revista "Science"
(www.sciencemag.org), o grupo
de cientistas liderados por Van
der Wal chegou um passo mais
perto de conseguir provar o desafio criado em 1935 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger, um dos
pais da teoria quântica.
O problema da teoria quântica
surge na hora de aplicar em escala
macroscópica aquilo que faz sentido em grau microscópico.
Experiência imaginária
No experimento mental chamado de "Gato de Schrödinger", o
gato imaginário do físico (um objeto macroscópico) é fechado numa caixa contendo um recipiente
de cianureto e um átomo radioativo (objeto microscópico).
O átomo está em estado metaestável, ou seja, seu núcleo tem 50%
de chance de romper-se. Se isso
acontecer, o recipiente quebra, o
cianureto é liberado e o gato morre. Se ele continuar no estado metaestável, o recipiente não racha e
o gato continua vivo.
O estado quântico é uma superposição dessas duas possibilidades. Enquanto a caixa não for
aberta, o gato está vivo e morto (o
que é diferente de estar vivo ou
morto, que seria a explicação da
física clássica). Só ao abrir a caixa
se define a potencialidade de um
dos resultados. É o ato de mensuração que resolve as potencialidades quânticas.
Foi esse desafio que os cientistas
da Universidade Delft, Holanda, e
do MIT (Instituto de Tecnologia
de Massachusetts), EUA, quase
resolveram -em uma escala bem
mais simples, sem despertar a ira
de ONGs protetoras de animais.
Desde os anos 80 já havia sido
proposto que um sistema macroscópico poderia se comportar
de acordo com as leis da física
quântica se ele estivesse suficientemente desacoplado de seu ambiente. Um dos possíveis candidatos seria o Squid (um equipamento supercondutor).
A peculiaridade do supercondutor é que nele um enorme número de pares de elétrons se condensa em um estado quântico,
comportando-se como um único
elétron. Isto é, um corpo macroscópico (embora muito menos
complexo que um gato) age como
um corpo microscópico.
No experimento foram usados
um par de anéis supercondutores
acoplados e foi aplicada uma corrente elétrica. Os sentidos horário
e anti-horário da corrente elétrica
corresponderiam aos estados "vivo" e "morto" do gato.
A experiência foi capaz de fazer
com que a corrente elétrica corresse simultaneamente em ambas
as direções. Conseguiu-se comprovar muitos elementos necessários para a obtenção do "gato
quântico macroscópico", mas há
detalhes técnicos que levam cientistas a discutir se todos os quesitos realmente foram cumpridos.
Um deles é se houve coerência na
superposição dos estados.
"Nós e outros grupos planejamos fazer mais experimentos
avançados com o "Gato de Schrödinger" para demonstrar mais extensivamente se ele realmente pode ser um objeto quântico. Queremos estudar os detalhes da transição do mundo quântico para o
clássico", afirmou Casper van der
Wal, o autor principal do estudo.
Dominar o mundo
O consolo é que se chegou um
passo mais perto de aplicar a teoria quântica ao mundo macroscópico. Apesar de ainda muito distante, a meta final da física quântica é tornar-se universal, explicando fenômenos hoje compreendidos só pela física clássica.
"Os físicos agora vêem um rascunho de como o mundo macroscópico resulta do mundo quântico. Entretanto, entender isso em
detalhe permanece muito difícil e
será tema para pesquisa por vários anos ainda", diz Van der Wal.
O problema da aplicação da teoria é que o número de partículas
em objetos macroscópicos é tão
grande que é muito difícil acompanhar o que acontece exatamente, explica o físico.
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