São Paulo, domingo, 29 de outubro de 2000

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BIOLOGIA
Estudo britânico pode levar a inseto transgênico
Mosquito que aguenta inseticidas também pode resistir a parasitas

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em pelo menos um caso, a resistência a inseticida de um mosquito transmissor de doença tropical está sendo útil para seres humanos. Pesquisa feita no Sri Lanka demonstrou que o mecanismo que causa resistência a inseticida também faz com que mosquitos transmitam menos a filaríase (doença causada por vermes que atacam o aparelho circulatório, principalmente vasos linfáticos).
O estudo foi feito por Janet Hemingway, da Universidade de Cardiff (Reino Unido), e mais cinco colegas, incluindo pesquisadores do Sri Lanka. Está publicado na última edição da revista científica britânica "Nature".
Eles testaram a capacidade de resistência a inseticida do vetor da doença, o mosquito da espécie Culex quinquefasciatus (um "primo" do pernilongo), encontrado nas casas de doentes de filaríase.
Foram coletadas fêmeas do mosquito (o macho não se alimenta de sangue). Em seguida, elas foram congeladas por 48 horas, depois de terem picado alguém. O objetivo era testar a quantidade de parasitas, as filárias da espécie Wucheria bancrofti -a mesma causadora da doença no Brasil-, e também verificar a presença do mecanismo de resistência.
Esse mecanismo usa enzimas esterases (enzimas são substâncias que aceleram reações bioquímicas). Pode ser comparado a uma esponja que absorve o inseticida antes que afete o mosquito.
Segundo disse Hemingway à Folha, o mecanismo "vai, muito lentamente, destoxificando o inseticida e liberando um produto não-tóxico". Os pesquisadores descobriram que, quanto maior era a atividade bioquímica vinculada à resistência, menor era a quantidade de parasitas no mosquito. Não se sabe ainda como o mecanismo afeta o parasita.
A hipótese de Hemingway é que os altos níveis de esterase mudem o potencial elétrico da reação química, "afetando (com isso) a capacidade do parasita de se desenvolver e permitindo que a imunidade natural do inseto tenha tempo de neutralizá-lo".
Esses estudos são a pesquisa básica necessária para encontrar uma forma de tornar o mosquito refratário a parasitas. "Nós poderemos ser capazes de usar o princípio para produzir insetos resistentes ao parasita, mas vulneráveis a inseticidas, a longo prazo", diz Hemingway.
O prazo é necessariamente longo, porque a criação de mosquitos transgênicos envolve questões éticas e científicas. Em particular, a possibilidade de passar os genes antiparasitas a populações selvagens, tornando-as resistentes.
Em alguns casos a natureza pode ajudar, por meio do processo de seleção natural darwiniana dos organismos mais aptos, pois as filárias também são prejudiciais aos mosquitos.


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