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Fóssil ilegal do Brasil é posto à venda por R$ 1,2 mi
Crânio intacto de nova espécie de réptil voador foi contrabandeado do Ceará
Cientistas temem que preço alto acabe levando peça a uma coleção privada; "está barato", diz dono de site dos EUA que detém espécime
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Quem gosta de monstros
pré-históricos e tem R$ 1,2 milhão para gastar pode comprar
hoje, pela internet, um dos fósseis mais espetaculares já encontrados no Brasil: o crânio de
uma espécie de pterossauro até
agora nova para a ciência. Ele
foi parar nos EUA, por vias misteriosas. Mas uma coisa é certa:
saiu ilegalmente do país.
O espécime foi extraído da
formação Santana, um conjunto de rochas sedimentares na
chapada do Araripe, no Ceará.
Está sendo anunciado pelo site
americano PaleoDirect, de Altamonte Springs (Flórida), que
se anuncia como "Sua fonte direta de finos espécimes fósseis
e artefatos do homem primitivo". O notável estado de conservação e a raridade da peça
estão colocando em polvorosa
os especialistas nesses répteis.
"Todo mundo que trabalha
com pterossauros no mundo já
viu esse fóssil. Não só o fóssil é
espetacular, como o preço também. Eu nunca imaginaria que
um único crânio pudesse valer
tanto", disse o paleontólogo
David Martill, da Universidade
de Portsmouth (Reino Unido).
"Suspeito que não haja nenhum museu que tenha dinheiro para comprar o espécime."
Em sua página (paleodirect.com/pgset2/ptbr-002.htm),
a PaleoDirect não economiza
elogios à peça: "Meras palavras
não podem descrever a raridade, o valor e a importância
científica deste espécime";
"provavelmente o melhor crânio de pterossauro já descoberto completo"; e "uma descoberta dessas é algo que só acontece
uma vez em várias vidas".
Paleontólogos ouvidos pela
Folha dizem que a descrição
está longe de ser exagerada. Para começar, o crânio está completo, com sua mandíbula ainda articulada. A maioria dos crânios fósseis é fragmentada.
Depois, o animal preserva
detalhes da anatomia interna
do osso do bico e da crista, com
tecidos moles (que geralmente
não se fossilizam) substituídos
por minerais de fosfato. "As
fosfatizações dos tecidos não-resistentes são orgásmicas",
derrete-se Reinaldo José Bertini, paleontólogo da Unesp.
Martill diz que certamente se
trata de um gênero novo.
Origem suspeita
Ambos os cientistas também
concordam que a peça saiu do
país ilegalmente. "É contrabandão", afirma Bertini.
"Eu sugeriria a você que colocasse a Polícia Federal para investigar o cara que está vendendo", diz Martill. O britânico, no
entanto, defende abertamente
o comércio de fósseis e já se beneficiou cientificamente do
contrabando de espécimes brasileiros, tendo descrito um dinossauro do Araripe que saiu
ilegalmente para a Alemanha.
O Brasil proíbe a exploração
comercial de fósseis desde
1942, mas nunca teve recursos
(ou vontade) para fiscalizar
suas jazidas fossilíferas, em especial a bacia do Araripe. O resultado é que peixes e crocodilos pré-históricos, pterossauros e dinossauros têm saído a
rodo do país. Os que dão sorte
vão parar em um museu, onde
pelo menos são estudados. Mas
alguns vão para coleções particulares: estão destinados a
adornar a parede de um ricaço,
fora do alcance da ciência.
Mercado de luxo
Esse pode ser o destino do
novo pterossauro. O dono do
PaleoDirect, John McNamara,
diz que prefere ver o espécime
comprado por um museu, mas
ameaça colocar a peça à venda
por um preço mais alto "no
mercado ultra-sofisticado de
colecionadores dos EUA" se
nenhuma instituição pagar os
US$ 700 mil que ele pede. "Eu
acho que está barato."
McNamara diz que comprou
seus fósseis brasileiros (há
mais um pterossauro anunciado no site, por US$ 14 mil) "de
uma coleção privada alemã
muito antiga", mas admite que
não pode dar um certificado de
legalidade. Segundo ele, o fóssil
teria sido coletado há mais de
meio século. "Quando esse espécime foi coletado, não havia
necessidade de papéis [autorizando a coleta], então nenhum
papel foi emitido."
Martill e Bertini dizem duvidar que o espécime seja anterior aos anos 1970, quando foram abertas as pedreiras de calcário na região. "Antes de 1990,
a maioria dos ossos de pterossauro era jogada fora pelos escavadores, que só queriam fósseis de peixe. Eu duvido que um
curador respeitável de museu
vá acreditar nessa história de
que ele foi coletado antes de
1970", diz Martill.
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