São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2004

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ARQUEOLOGIA

Sítio em rota de migração África-Eurásia revela sinais de fogo controlado pelo homem

Israel tem a fogueira mais antiga

Divulgação Naama Goren-Inbar/Universidade Hebraica de Jerusalém
Sítio de escavação em Gesher Benot Ya'aqov, norte de Israel


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O homem já usava o fogo para fazer churrasco, se aquecer e se proteger das feras bem antes do que se imaginava. Restos de antigas fogueiras num sítio arqueológico em Israel indicam que ele já controlava o fogo há 790 mil anos -mais de meio milhão de anos antes do que se sabia.
Como não há ossos humanos associados ao sítio, os cientistas não sabem qual espécie de ser humano foi responsável pelas fogueiras, que tinham seis tipos de madeira usada como lenha. Pela antigüidade do achado, esse primeiro fogo controlado tanto poderia ser obra dos mais primitivos Homo erectus e Homo ergaster, quanto de um precursor do homem atual, o Homo sapiens.
A prova de que esses fogos não eram de origem natural (incêndios causados por raios, por exemplo), e sim feitos por homens, veio da localização de fragmentos de sílex queimados. Sua aglomeração em vários pontos indica que neles havia fogueiras. A maior parte da madeira e do sílex do sítio não está queimada.
O sítio onde foram feitas as descobertas, Gesher Benot Ya'aqov, fica no vale Hula, um caminho de migração da África à Europa e à Ásia. A descoberta sai publicada hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org). A autora principal é Naama Goren-Inbar, da Universidade Hebraica de Jerusalém, com seis colaboradores.
O sítio começou a ser escavado nos anos 30 do século passado. Com a drenagem do lago Hula, nos anos 50, novas áreas foram expostas. A datação do sítio foi feita pela equipe de Goren-Inbar com técnicas de estratigrafia (análise de camadas de restos de animais) e magnetismo antigo e saiu na "Science" em 2000.

Ajuda da natureza
Haveria ainda a possibilidade de que o homem apenas tenha se aproveitado esporadicamente de incêndios naturais. "Eu acho que eles sabiam como produzir fogo -daí o seu controle. A espessura das camadas arqueológicas cobre dezenas de milhares de anos e em cada uma das ocupações há evidência de fogo", diz Goren-Inbar.
"A domesticação do fogo por hominídeos certamente levou a mudanças dramáticas no comportamento, relacionadas com dieta, defesa e interação social", afirma o artigo.
"Com fogo, sua dieta é definitivamente mais rica. Isso foi demonstrado em muitas sociedades, em estudos etnográficos de caçadores-coletores. No caso da defesa, é evidente, já que eles estavam vivendo em torno de muitos mamíferos perigosos, dos quais nós temos os restos, como elefantes, rinocerontes, hipopótamos, grandes bovinos etc. Quanto aos predadores, como é praxe, seus restos são escassos, e isso vale também para o sítio GBY, mas existe alguma evidência também", diz a arqueóloga.
Olhando o registro arqueológico mais recente, afirma Goren-Inbar, constata-se que fogueiras são um componente importante. Para a evolução posterior da humanidade, segundo ela, o fogo "definitivamente foi um importante fator de sobrevivência".
Na época dessas fogueiras, o homem já fazia ferramentas de pedra um pouco mais aperfeiçoadas, notadamente uma com forma bifacial (trabalhadas nos dois lados), que caracterizam a chamada indústria acheulense.
Essas ferramentas aparecem na África em torno de 1,8 milhão de anos atrás, até 250 mil anos atrás. Entre 1 milhão e 800 mil anos atrás, estima-se que a Europa tenha começado a ser colonizada. O domínio do fogo teria permitido a colonização da mais fria Europa.
O sítio GBY fica perto de onde havia um lago antigamente, e a água facilitou a preservação dos artefatos encontrados -23.454 sementes e pedacinhos de fruta e 50.582 fragmentos de madeira.
Apenas 1,8% do sílex encontrado e 1,4% dos fragmentos de madeira maiores do que 20 milímetros tinham sinal de queima. Foram achados restos de oliveira, videira e cevada selvagens, além de alguns grãos.


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