São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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ENTOMOLOGIA

Inseto parasita libera substâncias que provocam combate entre a população do formigueiro para invadi-lo

Vespa causa guerra civil entre formigas

Divulgação/Nature
Formigas tocam casulo de vespa (à dir.) que as induz a brigar


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma pequena vespa européia poderia acrescentar um novo conceito às já temidas armas químicas que os EUA costumam atribuir a Osama bin Laden ou Sadam Hussein. O bichinho, descobriram pesquisadores britânicos, produz um pacote de seis substâncias que geram uma guerra civil entre as formigas que parasita, transformando 80% do formigueiro numa completa bagunça por até 50 dias.
Mas a malandragem do inseto terrorista (conhecido como Ichneumon eumerus pelos cientistas) não pára por aí. A tática de pôr para brigar as formigas vermelhas européias (Myrmica schencki) vem da necessidade da vespa de botar seus ovos na lagarta da borboleta Maculinea rebeli, ela mesma uma parasita.
As larvas da borboleta imitam as das próprias formigas vermelhas e habitam o berçário do formigueiro, ferozmente protegido. Semear a discórdia ajuda a vespa a botar seus ovos no corpo das lagartas, que acabam virando comida das larvas do parasita.
O achado, que sai na revista científica "Nature" (www.nature.com), pode ajudar na criação do mais eficaz repelente de formigas já feito. E mostra o que a humanidade anda jogando na lata do lixo com a perda da biodiversidade: embora quatro das substâncias usadas pela vespa fossem desconhecidas, tanto ela quanto a borboleta já estão em extinção.
Para escapar das defesas do formigueiro, a vespa tira proveito de um complicado sistema químico usado pelas formigas para reconhecer companheiras e transmitir mensagens pela colônia.

Drible na defesa
Normalmente, as substâncias utilizadas para isso são hidrocarbonetos (compostos de hidrogênio e carbono) de cadeia curta e que evaporam facilmente, impedindo que o formigueiro todo acabe ficando tomado por uma única mensagem.
A I. eumerus, depois de detectar quimicamente as trilhas das formigas e descobrir se há lagartas no formigueiro, despreocupadamente põe as patas na entrada.
"As formigas, claro, detectam a intrusão física da vespa e correm para investigar. As substâncias que ela secreta são hidrocarbonetos bastante longos e pouco voláteis. Dessa forma, eles só agem ao toque", disse à Folha o pesquisador Graham Elmes, do Centro de Ecologia e Hidrologia de Dorchester, na Inglaterra, um dos autores do estudo.
O toque causa um efeito devastador. Seis substâncias, três delas formas de álcool e as demais aldeídos (aparentadas ao formol), criam pânico e agressividade intensos entre as formigas, que se afastam da vespa e começam a se engalfinhar. A sensação de pânico é amplificada pelas próprias formigas, gerando uma reação em cadeia que cria uma briga generalizada no formigueiro.
Enquanto isso, as lagartas lá no berçário estão prestes a ter uma surpresa desagradável. "A vespa bota apenas um ovo dentro da lagarta. A larva eclode, mas continua pequena e dormente, só começando a crescer quando a lagarta já está madura e começa a metamorfose", conta Elmes.
"Então, ela come rapidamente a lagarta dentro do casulo e emerge poucas semanas depois do que faria a borboleta", afirma Elmes. Segundo ele, o ciclo de vida do animal inspirou o filme "Alien".
O pesquisador diz que ainda é cedo para dizer se as substâncias da vespa serão viáveis para um futuro repelente, mas se mostra esperançoso. "Embora haja muitos estudos tentando usar substâncias de alarme como agentes de controle, elas geralmente são muito voláteis. As da vespa provocam a mesma reação, mas são muito persistentes", ressalta.
A má notícia é que vespa e borboleta agora só existem em duas minúsculas campinas nos Pireneus espanhóis e nos Alpes franceses. "Este trabalho mostra que nós estamos perdendo ainda mais biodiversidade do que acreditávamos. Se é assim na Europa, que é mais estudada, como será nas regiões tropicais, que têm ambientes mais diversos?", diz Elmes.



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