|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Era espacial gerou fascínio e medo
Nem a URSS imaginava o efeito que o Sputnik causaria nos EUA
Lançamento do primeiro satélite artificial levou os americanos a uma crise de confiança; Eisenhower tentou desmerecer façanha
JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"
Cinqüenta anos atrás, antes
que a maioria das pessoas que
vivem hoje sequer tivessem
nascido, o "bip-bip-bip" do
Sputnik foi ouvido por todo o
mundo. Era o som do incrível e
do presságio. Nada jamais seria
como aquilo -seja na política,
em ciência e tecnologia ou no
dia-a-dia da espécie humana.
A União Soviética tinha lançado o primeiro satélite artificial, uma nova lua, em 4 de outubro de 1957. Vencendo a gravidade terrestre, elevando-se
acima da atmosfera até entrar
em órbita, o Sputnik atravessou
todos os limites em direção a
uma nova dimensão da experiência humana. As pessoas podiam agora se ver como exploradoras espaciais.
A reação imediata, no entanto, refletiu as preocupações de
um mundo imerso na Guerra
Fria. Era um tempo de medo e
divisão, no qual as duas superpotências, União Soviética e
EUA, se encaravam com ameaças de destruição em massa. O
Sputnik alterou a natureza e o
alcance da Guerra Fria.
Era uma simples esfera de 58
centímetros de diâmetro e apenas 85 kg, com uma superfície
polida de alumínio que refletia
a luz e era visível da Terra. Dois
rádios transmissores enviavam
sinais em freqüências que cientistas podiam captar na Terra.
Os russos pretendiam que o
Sputnik fosse uma declaração
barulhenta do seu poderio tecnológico. Mas nem mesmo eles,
ao que parece, tinham antecipado a reação que seu sucesso
iria provocar.
Crise de autoconfiança
O lançamento do satélite levou os americanos a uma crise
de autoconfiança. Seu país tinha baixado a guarda com a
prosperidade? As instituições
da democracia liberal estariam
em pé de igualdade para competir com a autoritária sociedade comunista?
Na época do Sputnik, John F.
Kennedy era um senador de
Massachusetts sem nenhum
interesse no espaço. Yuri Gagárin era um piloto militar russo
sem distinções. Neil Armstrong
testava aviões de ponta no deserto da Califórnia. Em breve
suas vidas seriam mudadas,
bem como as de pessoas comuns no mundo todo.
A dinâmica pós-Sputnik acabou me atingindo e me recrutando. Assim como quase todo
jovem americano apto, eu havia
interrompido minha vida e minha carreira para entrar no serviço militar. Na manhã seguinte ao triunfo soviético, eu estava de folga do quartel. Comprei
o jornal e o abri sobre a mesa de
um café. As manchetes trombeteavam a notícia. A linguagem
complicada de foguetes e órbitas deu um nó na minha cabeça,
mas continuei lendo. Eu não tinha nenhuma premonição de
que o Sputnik tinha disparado
os eventos que moldariam minha carreira. Só em 1959 que eu
senti o seu efeito.
Os jornais e outros meios de
comunicação, influenciados
pelo Sputnik, começaram a se
mexer para expandir a cobertura de ciência, medicina e tecnologia. Concordei com o editor-executivo [do "Wall Street Journal"] em tentar escrever
sobre medicina. Uma coisa levou à outra, da medicina à ciência à exploração espacial, à revista "Time" e finalmente ao "The New York Times", para
cobrir a mais ambiciosa resposta americana ao Sputnik: o programa Apollo.
Depois do Sputnik, não havia
mais como parar a corrida espacial. Os críticos atacaram o
presidente Dwight Eisenhower, que a princípio desdenhou
do Sputnik, dizendo tratar-se
de um evento meramente "de
interesse científico". Logo o
Departamento de Defesa acelerou o desenvolvimento de mísseis. O Congresso criou a Nasa.
Mísseis x bombardeiros
Mas a percepção de uma vantagem soviética persistiu. A necessidade havia ditado o foco
russo nos mísseis. Desde a 2ª
Guerra, os bombardeiros americanos haviam se tornado melhores que os soviéticos, que
tampouco tinham bases aéreas
a uma distância pequena o suficiente do território dos EUA
que permitisse um ataque.
Uma estimativa exagerada
do "gap dos mísseis" se tornou
o grito de guerra da campanha
presidencial de 1960 e pode ter
sido crucial para a vitória de
Kennedy. Pouco tempo depois
de ele ter assumido, os russos
marcaram outro golaço: em
abril de 1961, Gagárin se tornou
o primeiro homem a voar em
órbita da Terra.
Depois de semanas de reuniões a portas fechadas, Kennedy foi ao Congresso em 25 de
maio, e declarou: "Chegou a hora de dar passos mais largos, a
hora desta nação assumir um
papel claro de liderança na conquista espacial que, de muitas
maneiras, pode guardar a chave
para o nosso futuro na Terra."
Ele colocou ao país o "objetivo,
antes do final desta [daquela]
década, de colocar um homem
na Lua e trazê-lo de volta à Terra de maneira segura".
Apenas 12 anos se passaram
entre o toque de despertar da
corrida espacial e a primeira caminhada na Lua.
Três viagens lunares marcam
mais a memória. Os astronautas da Apollo-8, em dezembro
de 1968, são os primeiros a atingir a Lua, circundando-a dez
vezes. Então há a Apollo-11. Em
20 de julho de 1969, Neil Armstrong desce do módulo de alunissagem e dá "um salto gigantesco para a humanidade".
Buzz Aldrin se junta a ele na
primeira caminhada na Lua.
Diferentemente dos outros
marcos espaciais, desta vez o
mundo está assistindo pela TV.
Última viagem
No final de 1972, o último dos
12 homens a andar na Lua fez as
malas e voltou para casa, e ninguém esteve lá desde então. Ao
fim daquela missão, eu pedi a
alguns historiadores que avaliassem o significado desses
primeiros anos no espaço. Arthur Schleisinger previu que,
em 500 anos, o século 20 provavelmente seria provavelmente lembrado principalmente pelas primeiras aventuras do homem além de seu planeta. No final do século, ele não
tinha mudado de opinião.
Nos anos seguintes, os russos
e os americanos continuaram
com os vôos espaciais, num ritmo reduzido. A maior parte do
dinheiro americano foi para os
ônibus espaciais, os veículos
reutilizáveis que nunca cumpriram sua promessa de tornar
o vôo espacial humano mais rotineiro. As imagens mais marcantes do programa para o público são a explosão da Challenger em 1986 e a desintegração
do Columbia 17 anos depois.
Eu dificilmente conseguiria
me imaginar fora do contexto
da Guerra Fria. Sem a intensa
competição soviético-americana, simbolizada pela corrida espacial, eu não teria me tornado
um jornalista de ciência que escrevia sobre astronautas que
iam para a Lua para "ganhar"
dos russos.
JOHN NOBLE WILFORD, ganhador de dois prêmios Pulitzer, cobre espaço desde os anos 1960
Texto Anterior: 50 anos depois do Sputnik, espaço ainda vê Guerra Fria Próximo Texto: A última fronteira Índice
|