São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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Era espacial gerou fascínio e medo

Nem a URSS imaginava o efeito que o Sputnik causaria nos EUA

Lançamento do primeiro satélite artificial levou os americanos a uma crise de confiança; Eisenhower tentou desmerecer façanha

JOHN NOBLE WILFORD
DO "NEW YORK TIMES"

Cinqüenta anos atrás, antes que a maioria das pessoas que vivem hoje sequer tivessem nascido, o "bip-bip-bip" do Sputnik foi ouvido por todo o mundo. Era o som do incrível e do presságio. Nada jamais seria como aquilo -seja na política, em ciência e tecnologia ou no dia-a-dia da espécie humana.
A União Soviética tinha lançado o primeiro satélite artificial, uma nova lua, em 4 de outubro de 1957. Vencendo a gravidade terrestre, elevando-se acima da atmosfera até entrar em órbita, o Sputnik atravessou todos os limites em direção a uma nova dimensão da experiência humana. As pessoas podiam agora se ver como exploradoras espaciais.
A reação imediata, no entanto, refletiu as preocupações de um mundo imerso na Guerra Fria. Era um tempo de medo e divisão, no qual as duas superpotências, União Soviética e EUA, se encaravam com ameaças de destruição em massa. O Sputnik alterou a natureza e o alcance da Guerra Fria.
Era uma simples esfera de 58 centímetros de diâmetro e apenas 85 kg, com uma superfície polida de alumínio que refletia a luz e era visível da Terra. Dois rádios transmissores enviavam sinais em freqüências que cientistas podiam captar na Terra.
Os russos pretendiam que o Sputnik fosse uma declaração barulhenta do seu poderio tecnológico. Mas nem mesmo eles, ao que parece, tinham antecipado a reação que seu sucesso iria provocar.

Crise de autoconfiança
O lançamento do satélite levou os americanos a uma crise de autoconfiança. Seu país tinha baixado a guarda com a prosperidade? As instituições da democracia liberal estariam em pé de igualdade para competir com a autoritária sociedade comunista?
Na época do Sputnik, John F. Kennedy era um senador de Massachusetts sem nenhum interesse no espaço. Yuri Gagárin era um piloto militar russo sem distinções. Neil Armstrong testava aviões de ponta no deserto da Califórnia. Em breve suas vidas seriam mudadas, bem como as de pessoas comuns no mundo todo.
A dinâmica pós-Sputnik acabou me atingindo e me recrutando. Assim como quase todo jovem americano apto, eu havia interrompido minha vida e minha carreira para entrar no serviço militar. Na manhã seguinte ao triunfo soviético, eu estava de folga do quartel. Comprei o jornal e o abri sobre a mesa de um café. As manchetes trombeteavam a notícia. A linguagem complicada de foguetes e órbitas deu um nó na minha cabeça, mas continuei lendo. Eu não tinha nenhuma premonição de que o Sputnik tinha disparado os eventos que moldariam minha carreira. Só em 1959 que eu senti o seu efeito.
Os jornais e outros meios de comunicação, influenciados pelo Sputnik, começaram a se mexer para expandir a cobertura de ciência, medicina e tecnologia. Concordei com o editor-executivo [do "Wall Street Journal"] em tentar escrever sobre medicina. Uma coisa levou à outra, da medicina à ciência à exploração espacial, à revista "Time" e finalmente ao "The New York Times", para cobrir a mais ambiciosa resposta americana ao Sputnik: o programa Apollo.
Depois do Sputnik, não havia mais como parar a corrida espacial. Os críticos atacaram o presidente Dwight Eisenhower, que a princípio desdenhou do Sputnik, dizendo tratar-se de um evento meramente "de interesse científico". Logo o Departamento de Defesa acelerou o desenvolvimento de mísseis. O Congresso criou a Nasa.

Mísseis x bombardeiros
Mas a percepção de uma vantagem soviética persistiu. A necessidade havia ditado o foco russo nos mísseis. Desde a 2ª Guerra, os bombardeiros americanos haviam se tornado melhores que os soviéticos, que tampouco tinham bases aéreas a uma distância pequena o suficiente do território dos EUA que permitisse um ataque.
Uma estimativa exagerada do "gap dos mísseis" se tornou o grito de guerra da campanha presidencial de 1960 e pode ter sido crucial para a vitória de Kennedy. Pouco tempo depois de ele ter assumido, os russos marcaram outro golaço: em abril de 1961, Gagárin se tornou o primeiro homem a voar em órbita da Terra.
Depois de semanas de reuniões a portas fechadas, Kennedy foi ao Congresso em 25 de maio, e declarou: "Chegou a hora de dar passos mais largos, a hora desta nação assumir um papel claro de liderança na conquista espacial que, de muitas maneiras, pode guardar a chave para o nosso futuro na Terra."
Ele colocou ao país o "objetivo, antes do final desta [daquela] década, de colocar um homem na Lua e trazê-lo de volta à Terra de maneira segura".
Apenas 12 anos se passaram entre o toque de despertar da corrida espacial e a primeira caminhada na Lua.
Três viagens lunares marcam mais a memória. Os astronautas da Apollo-8, em dezembro de 1968, são os primeiros a atingir a Lua, circundando-a dez vezes. Então há a Apollo-11. Em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong desce do módulo de alunissagem e dá "um salto gigantesco para a humanidade". Buzz Aldrin se junta a ele na primeira caminhada na Lua.
Diferentemente dos outros marcos espaciais, desta vez o mundo está assistindo pela TV.

Última viagem
No final de 1972, o último dos 12 homens a andar na Lua fez as malas e voltou para casa, e ninguém esteve lá desde então. Ao fim daquela missão, eu pedi a alguns historiadores que avaliassem o significado desses primeiros anos no espaço. Arthur Schleisinger previu que, em 500 anos, o século 20 provavelmente seria provavelmente lembrado principalmente pelas primeiras aventuras do homem além de seu planeta. No final do século, ele não tinha mudado de opinião.
Nos anos seguintes, os russos e os americanos continuaram com os vôos espaciais, num ritmo reduzido. A maior parte do dinheiro americano foi para os ônibus espaciais, os veículos reutilizáveis que nunca cumpriram sua promessa de tornar o vôo espacial humano mais rotineiro. As imagens mais marcantes do programa para o público são a explosão da Challenger em 1986 e a desintegração do Columbia 17 anos depois.
Eu dificilmente conseguiria me imaginar fora do contexto da Guerra Fria. Sem a intensa competição soviético-americana, simbolizada pela corrida espacial, eu não teria me tornado um jornalista de ciência que escrevia sobre astronautas que iam para a Lua para "ganhar" dos russos.


JOHN NOBLE WILFORD, ganhador de dois prêmios Pulitzer, cobre espaço desde os anos 1960

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