São Paulo, domingo, 30 de setembro de 2007

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A última fronteira


Estudos mostram que chimpanzés cooperam e sabem inferir intenções, mas perdem de crianças em habilidades sociais básicas


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Virou moda lembrar que seres humanos e chimpanzés têm entre 96% e 98% de material genético em comum -dependendo de como se contam as letrinhas do DNA. Mas o que na fração restante do código, ou no comportamento ou na cultura, faz o ser humano ser uma espécie assim tão diferente?
O escritor e biólogo americano Jared Diamond chama o homem de "o terceiro chimpanzé" (surgido depois do chimpanzé comum e do bonobo, o "chimpanzé pigmeu"). O zoólogo britânico Desmond Morris chama o homem de "o macaco nu". Descobertas recentes mostram que eles têm lá suas razões, mas novos estudos também jogam luz sobre a notável fração que diferencia o Homo sapiens dos seus primos próximos, os chimpanzés (Pan troglodytes e Pan paniscus), e dos primos mais distantes, o também africano gorila (Gorilla gorilla) e o asiático orangotango (Pongo pygmaeus).
"Nós comparamos as três espécies para determinar quais habilidades e aptidões são distintamente humanas", diz Esther Herrmann, do Instituto Max Planck para Antropologia Evolutiva, de Leipzig, na Alemanha. Ela coordenou um estudo comparando aptidões sociais e físicas de crianças com as dos "grandes macacos".
O grupo testou 105 crianças na Alemanha, 106 chimpanzés comuns na África e 32 orangotangos na Indonésia.
Todos têm capacidades parecidas quando se trata de aptidões cognitivas relacionadas a aspectos do universo físico - como noções de espaço, de quantidade, de causalidade. Mas meras criancinhas alemãs de dois anos e meio de idade já conseguem proezas cognitivas que os primos mais próximos do ser humano têm dificuldade em realizar. Quando se trata de aptidões ligadas ao aprendizado social e à comunicação, a garotada deu um banho nos seus primos peludos, todos mais velhos. Os macacos tinham idades entre 3 e 21 anos.
O estudo mostrou essa faceta intensamente social do comportamento humano, e com isso deu mais apoio à chamada hipótese da "inteligência cultural". As crianças acertaram 74% dos testes de aptidão "sociocultural", contra 33% de acertos entre os macacos.
Um exemplo de aprendizado de uma aptidão "social" envolveu um tubo contendo comida. Os chimpanzés e orangotangos tentam quebrar o tubo para ter acesso ao prêmio. Os bebês conseguem seguir o exemplo do adulto que controla o experimento e retirar o alimento abrindo a tampa do tubo.
As crianças foram muito melhores em entender comunicação não-verbal, em imitar soluções para problemas e entender as intenções dos outros, segundo a pesquisadora.
Na conclusão do estudo, Herrmann e colegas lembram que já foram seqüenciados os genomas do homem e do chimpanzé, e que estão em andamento os do orangotango e do bonobo. Mas eles argumentam que, para o esforço dar bons resultados, é preciso complementá-lo com estudos "em termos das reais aptidões cognitivas e comportamentais que promoveram sobrevivência e reprodução".

Irracional, eu?
Mas ainda é cedo para deixar de lado as aptidões dos primos peludos, pois outros estudos mostram que eles possuem notáveis habilidades sociais. Justin Wood, da Universidade Harvard, trabalhou não só com chimpanzés, mas também com primatas mais distantes na escala evolutiva, como o macaco reso. E ele mostrou como esses animais tidos como "irracionais" são capazes de determinar a diferença entre ações intencionais e acidentais, avaliando o que os outros fazem e reagindo "racionalmente".
Chimpanzés também são capazes de cooperar para atingir um objetivo de interesse comum -por exemplo, chegar a um prato de banana cortada, num arranjo em que é preciso que dois deles puxem cada um uma ponta de uma corda. Mas isso só foi observado quando os dois bichos tinham "status" semelhante. Chimpanzés com grande variação na hierarquia -um macho ou fêmea dominante e um macho jovem, por exemplo-, eram incapazes de cooperar. Ou quando agiram juntos, o dominante podia ficar com toda a comida para ele.
E para não dizer que não se falou de sexo, o comportamento muda radicalmente com os bonobos, conhecidos pela promiscuidade e dotados de um "Kama Sutra" próprio -adoram variar as posições sexuais. Quando está difícil a cooperação, o bonobo tem uma reação típica: vamos transar que a coisa se resolve.
Há diferença no genoma de 2% a 4%? Bem, há sempre bem mais que banana em uma banana split.


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