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BIOMEDICINA
Linhagens liberadas pelo governo americano estão contaminadas e não servem para transplante, diz estudo
Célula-tronco de Bush é inútil para terapia
SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A imensa maioria das linhagens
de células-tronco embrionárias já
produzidas, incluindo todas as
que têm autorização para estudo
com financiamento federal nos
EUA, pode ser inútil para o desenvolvimento de terapias contra
doenças em humanos.
A conclusão é de um estudo liderado por Fred Gage, do Instituto Salk, na Califórnia, que contou
com a participação do brasileiro
Alysson Muotri, pesquisador da
mesma instituição americana. O
artigo relatando os resultados já
foi revisto e aceito para publicação por uma prestigiosa revista
científica internacional.
Os cientistas descobriram que a
forma como a cultura das células-tronco é realizada, em meio a soro
bovino e a células extraídas de camundongo, acaba por transferir
uma substância indesejada à cultura, que normalmente só está
presente nos animais, mas não
em humanos. Demonstrou-se
que essas células-tronco embrionárias mantêm esse composto em
sua superfície mesmo depois de
extraídas do meio de cultura.
O problema de tudo isso é que a
maioria dos humanos não só não
possui essa substância como tem
um anticorpo especificamente
projetado para atacá-la. Em outras palavras, qualquer tentativa
de injetar essas células numa pessoa provocariam uma resposta do
sistema imunológico -que as
encontraria e destruiria.
As células-tronco são tão
atraentes para os cientistas porque são indiferenciadas, com o
potencial para formar qualquer
tipo de tecido do corpo. Com isso,
poderiam ser úteis no tratamento
de várias enfermidades hoje incuráveis, desde males neurológicos,
com o mal de Parkinson, até
doenças como o diabetes.
Embora existam células-tronco
em organismos adultos, os cientistas acreditam que as que são extraídas de embriões têm maior
potencial para o desenvolvimento
de tratamentos. O problema é
que, para extraí-las, é preciso destruir o embrião -daí a polêmica
em torno do tema.
A despeito de protestos da comunidade científica, o presidente
americano George W. Bush instituiu uma política restritiva à pesquisa com células-tronco embrionária. Hoje, verbas federais só podem ser aplicadas em estudos
com as linhagens criadas antes da
adoção da nova política, em 2001.
"Nós testamos apenas uma delas, mas todas são produzidas da
mesma maneira, usando ou o soro bovino, ou um substituto de
soro, que também contém substâncias provenientes de animais",
Muotri à Folha.
Correção de curso
Além de demonstrar o problema com as atuais linhagens, os
pesquisadores realizaram algumas tentativas de "corrigi-las".
Perceberam que, ao manter essas
células em meio a uma cultura de
soro humano por uma semana, a
concentração da substância indesejada cai violentamente. Mas eles
enfatizam que seria muito arriscado implantar essas células em
pacientes.
"A FDA [agência que regula fármacos e alimentos nos EUA]
nunca aprovaria algo assim", diz
Muotri. "O melhor mesmo seria
criar novas linhagens, do zero,
usando soro humano."
"Isso mostra que essa idéia de
Bush, de usar as linhagens já existentes, não é por aí. É preciso fazer
novas linhagens. Se o propósito é
chegar a terapias, usar as linhagens que já estão aí é perda de
tempo", afirma a geneticista Mayana Zatz, da USP, que não esteve
envolvida no estudo. "Eu nunca
gostei dessa idéia de cultivar células humanas em soro de cavalo ou
bovino", diz Zatz.
Eleição
Por ora, ao menos usando recursos do governo federal, a opção de produzir novas linhagens
está vedada aos cientistas americanos. Mas a situação pode mudar caso o concorrente de Bush à
Presidência, o democrata John
Kerry, saia vencedor das eleições
que do próximo dia 2. Ele declarou que, caso eleito, irá afrouxar
as regras que limitam financiamento federal a pesquisas com células embrionárias.
No Brasil, atualmente, o estudo
de células-tronco embrionárias
humanas é proibido. O projeto da
Lei de Biossegurança, como foi
aprovado no Senado, liberaria estudos com embriões descartados
de clínicas de fertilidade, mas a
proposta ainda precisa de aprovação da Câmara e sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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