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BIOLOGIA
Indícios vêm de matéria orgânica encontrada em terreno sul-africano
Vida em terra tem 2,6 bilhões de anos
ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL
O relógio que marca o surgimento da vida terrestre pode estar
atrasado 1,4 bilhão de anos. Até o
momento, os fósseis terrestres
mais antigos -achados no Arizona (EUA)- tinham 1,2 bilhão
de anos. Pois, de acordo com pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia, a vida pode
ter deixado o oceano e se estabelecido em terra muito antes, há talvez 2,6 bilhões de anos.
Para chegar a essa conclusão,
Yumiko Watanabe, estudante de
doutorado do Centro de Pesquisa
em Astrobiologia da universidade
norte-americana, teve de literalmente colocar a mão na massa
(ou na biomassa de solos africanos) e descobrir a origem da matéria orgânica ali encontrada.
Watanabe examinou várias
amostras de solo da província mineral Mpumalanga (Transvaal do
Leste), na África do Sul. Por meio
de uma série de métodos geoquímicos, a pesquisadora encontrou
um tipo de solo (paleossolo) datado de 2,6 bilhões a 2,7 bilhões de
anos contendo carbono orgânico.
"Devido às características de estrutura e composição química da
matéria orgânica, não é provável
que ela tenha sido transportada
para o solo. Sua origem é local",
disse à Folha Watanabe.
A pesquisadora afirma que o
carbono orgânico representa restos de microrganismos que se desenvolveram sobre o solo.
"É difícil identificar o tipo de organismo sem evidências moleculares", explica Watanabe. "Não
acreditamos que fossem bactérias
que usassem enxofre para realizar
fotossíntese, uma vez que não há
esse elemento no solo."
A aposta de Watanabe é que os
restos orgânicos sejam de cianobactérias, algas azul-esverdeadas
unicelulares. Exemplares desses
microrganismos são considerados os fósseis mais antigos, com
cerca de 3,5 bilhões de anos.
Bactérias aquáticas
Os pesquisadores compararam
a composição de carbono da matéria orgânica encontrada no solo
sul-africano com as cianobactérias modernas e encontraram a
mesma composição.
Apesar de cianobactérias serem
organismos aquáticos, Watanabe
afirma que os sedimentos de matéria orgânica não se formaram
no oceano, mas sim em terra.
"Os valores dos isótopos (átomos do mesmo elemento que têm
número igual de prótons, mas número diferente de nêutrons) do
carbono encontrado no paleossolo são diferentes daqueles achados em pedras de sedimentos marinhos", explica a pesquisadora.
As cianobatérias podem crescer
em associação com fungos, formando os líquens, que vivem sobre rochas ou cascas de árvore.
A existência de comunidades
terrestres de bactérias já havia sido levantada por outros pesquisadores. No entanto, segundo Watanabe, este é o primeiro estudo a
apresentar vários indícios para o
desenvolvimento de populações
microbianas na superfície terrestre. A pesquisa sai na edição de
hoje da revista científica britânica
"Nature" (www.nature.com).
Camada de ozônio
A existência de organismos terrestres há 2,6 bilhões de anos
aponta para a possibilidade de desenvolvimento de uma atmosfera
rica em oxigênio anterior a essa
data. O acúmulo de oxigênio na
atmosfera é datado por cientistas
em cerca de 2 bilhões de anos.
"O desenvolvimento da camada
de ozônio, que protege a vida na
terra das radiações cósmicas, requer uma atmosfera rica em oxigênio. Isso significa que essa camada deve ter surgido há mais de
2,6 bilhões de anos", afirma Hiroshi Ohmoto, outro autor do estudo e diretor do Centro de Pesquisa em Astrobiologia.
Evidências para existência da
vida terrestre desde 2,6 bilhões de
anos atrás também já haviam sido
apresentadas por Ohmoto no ano
passado, em outubro, durante o
encontro anual da Sociedade
Geológica da América.
Ohmoto investigou um tipo de
solo -laterítico- datado de 2,3
bilhões de anos e formado com a
ajuda de ácidos orgânicos. "Para
sua formação é preciso matéria
orgânica e oxigênio na atmosfera", explica o cientista.
O trabalho da "Nature" junta-se
a essa pesquisa anterior, trazendo
mais dados que fortalecem a hipótese de a vida ter chegado mais
cedo do que se pensava à terra.
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