São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2000

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BIOLOGIA
Indícios vêm de matéria orgânica encontrada em terreno sul-africano
Vida em terra tem 2,6 bilhões de anos

ISABEL GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

O relógio que marca o surgimento da vida terrestre pode estar atrasado 1,4 bilhão de anos. Até o momento, os fósseis terrestres mais antigos -achados no Arizona (EUA)- tinham 1,2 bilhão de anos. Pois, de acordo com pesquisadores da Universidade Estadual da Pensilvânia, a vida pode ter deixado o oceano e se estabelecido em terra muito antes, há talvez 2,6 bilhões de anos.
Para chegar a essa conclusão, Yumiko Watanabe, estudante de doutorado do Centro de Pesquisa em Astrobiologia da universidade norte-americana, teve de literalmente colocar a mão na massa (ou na biomassa de solos africanos) e descobrir a origem da matéria orgânica ali encontrada.
Watanabe examinou várias amostras de solo da província mineral Mpumalanga (Transvaal do Leste), na África do Sul. Por meio de uma série de métodos geoquímicos, a pesquisadora encontrou um tipo de solo (paleossolo) datado de 2,6 bilhões a 2,7 bilhões de anos contendo carbono orgânico.
"Devido às características de estrutura e composição química da matéria orgânica, não é provável que ela tenha sido transportada para o solo. Sua origem é local", disse à Folha Watanabe.
A pesquisadora afirma que o carbono orgânico representa restos de microrganismos que se desenvolveram sobre o solo.
"É difícil identificar o tipo de organismo sem evidências moleculares", explica Watanabe. "Não acreditamos que fossem bactérias que usassem enxofre para realizar fotossíntese, uma vez que não há esse elemento no solo."
A aposta de Watanabe é que os restos orgânicos sejam de cianobactérias, algas azul-esverdeadas unicelulares. Exemplares desses microrganismos são considerados os fósseis mais antigos, com cerca de 3,5 bilhões de anos.

Bactérias aquáticas
Os pesquisadores compararam a composição de carbono da matéria orgânica encontrada no solo sul-africano com as cianobactérias modernas e encontraram a mesma composição.
Apesar de cianobactérias serem organismos aquáticos, Watanabe afirma que os sedimentos de matéria orgânica não se formaram no oceano, mas sim em terra.
"Os valores dos isótopos (átomos do mesmo elemento que têm número igual de prótons, mas número diferente de nêutrons) do carbono encontrado no paleossolo são diferentes daqueles achados em pedras de sedimentos marinhos", explica a pesquisadora.
As cianobatérias podem crescer em associação com fungos, formando os líquens, que vivem sobre rochas ou cascas de árvore.
A existência de comunidades terrestres de bactérias já havia sido levantada por outros pesquisadores. No entanto, segundo Watanabe, este é o primeiro estudo a apresentar vários indícios para o desenvolvimento de populações microbianas na superfície terrestre. A pesquisa sai na edição de hoje da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).

Camada de ozônio
A existência de organismos terrestres há 2,6 bilhões de anos aponta para a possibilidade de desenvolvimento de uma atmosfera rica em oxigênio anterior a essa data. O acúmulo de oxigênio na atmosfera é datado por cientistas em cerca de 2 bilhões de anos.
"O desenvolvimento da camada de ozônio, que protege a vida na terra das radiações cósmicas, requer uma atmosfera rica em oxigênio. Isso significa que essa camada deve ter surgido há mais de 2,6 bilhões de anos", afirma Hiroshi Ohmoto, outro autor do estudo e diretor do Centro de Pesquisa em Astrobiologia.
Evidências para existência da vida terrestre desde 2,6 bilhões de anos atrás também já haviam sido apresentadas por Ohmoto no ano passado, em outubro, durante o encontro anual da Sociedade Geológica da América.
Ohmoto investigou um tipo de solo -laterítico- datado de 2,3 bilhões de anos e formado com a ajuda de ácidos orgânicos. "Para sua formação é preciso matéria orgânica e oxigênio na atmosfera", explica o cientista.
O trabalho da "Nature" junta-se a essa pesquisa anterior, trazendo mais dados que fortalecem a hipótese de a vida ter chegado mais cedo do que se pensava à terra.


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