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Latitude alta torna cidade mais "boêmia"
Estudo aponta que locais mais distantes do equador têm maior proporção de pessoas que dormem e acordam mais tarde
Pesquisa foi liderada pela
Unifesp e analisou 20 mil
questionários sobre hábitos
de sono; associação ainda
tem causa incerta, diz grupo
Natacha Pisarenko - 3.abr.2006/Associated Press
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Vista noturna da avenida Nove de Julho, em Buenos Aires |
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Nordestinos tendem a dormir e acordar mais cedo do que
gaúchos, e paulistas ficam numa linha intermediária. Cientistas mostraram que a latitude
de fato influencia o relógio biológico das pessoas, e as cidades
mais ao sul, no caso do Brasil,
tendem a abrigar uma parcela
maior de população noctívaga.
"Quanto mais você se afasta
do equador, mais essa diferença aumenta", diz Mário Pedrazzoli, pesquisador Instituto do
Sono da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo), um dos
líderes do estudo, que contou
com outros grupos de pesquisa
espalhados pelo país. Ele ainda
não sabe a razão disso, mas suspeita que possa haver uma interação da influência da latitude
com a genética.
A correlação foi descoberta
neste ano, após os pesquisadores fecharem as contas de
5.000 questionários respondidos por pessoas em várias cidades para avaliar a distribuição
dos cronotipos (tendência natural da pessoa a dormir tarde
ou cedo). Depois de constatar a
tendência, os números foram
reforçados por mais 15 mil
questionários, e os cientistas
devem publicar um estudo com
os resultados em 2007.
A idéia de relacionar latitude
a cronotipo não é nova. Ela já
havia sido abordada pelo biólogo Luiz Menna-Barreto, da
USP. Menna-Barreto já havia
tentado investigar essa possibilidade num estudo com cerca
de 250 pessoas, mas a amostra
era pequena demais para revelar o resultado.
O cientista da USP decidiu
retomar a investigação em
2005, incentivado por Pedrazzoli, que acabara de levantar
evidências favoráveis à tese, baseadas em seu trabalho com genética. Desta vez, porém, já existia motivação para reunir um numero
maior de pessoas, com auxílio
de um questionário no site do
grupo de cronobiologia da USP
(www.crono.icb.usp.br).
Do Oiapoque ao Chuí
Olhando em retrospectiva,
relacionar latitude e cronotipo
pode fazer bastante sentido.
Basta comparar, por exemplo,
Buenos Aires, cidade de tradição boêmia, com Recife, onde a
caminhada na praia durante a
alvorada é um hábito disseminado. Mas só histórias de turistas não bastam para fazer ciência. E aí entrou a importância
do método e da estatística.
Para Pedrazzoli, a descoberta
sobre a influência da latitude
foi de certa forma, impulsionada por uma característica única
do Brasil: seu território se estende desde acima da linha do
equador até 34 ao sul. Enquanto no norte do país os dias
quase não variam em duração
ao longo do ano, no sul a luz solar dura muito mais no verão e
muito menos no inverno.
"Essa variação grande de latitude não existe nos países em
que a pesquisa é mais tradicional e tem mais investimento,
na Europa e nos EUA", afirma.
Mais do que mera curiosidade, porém, as descobertas recentes da cronobiologia podem
ter um caminho de aplicação
claro. Segundo Pedrazzoli, estudos ambientais e genéticos
têm mostrado que a natureza
humana talvez seja muito menos adaptável a horários diferentes do que aparenta.
"Um indivíduo vespertino
não tem condições de trabalhar
de manhã, e um aluno muito
vespertino não deve ser colocado para estudar de manhã", diz
Pedrazzoli. "Depois ele é taxado de relapso porque fica dormindo na aula, mas isso não é
problema dele; é problema do
organismo. Outras pessoas
simplesmente não conseguem
trabalhar à noite."
Quando as noites maldormidas se tornam um problema
crônico, diz, uma mera sonolência pode evoluir para problemas cardíacos e imunológicos. Conhecer melhor o espectro de cronotipos de uma população, portanto, pode ajudar governos e empresas a planejarem uma rotina social mais
saudável. "Se as empresas adotassem horários mais flexíveis,
a produtividade aumentaria."
Ao usar informações da cronobiologia, porém, é preciso levar em conta outras variáveis,
como a idade. As emissoras de
TV já sabem, por exemplo, que
pessoas mais velhas tendem a
ficar mais matinais, e programam sua grade nos fins-de-semana de acordo com isso.
A relação entre latitude e
cronotipos, num outro exemplo, pode ser uma variável importante a considerar para uma
cidade decidir se adere ou não
ao horário de verão.
Resta saber se os cientistas
vão convencer empresas, governos e escolas de que vale à
pena respeitar o cronotipo das
pessoas. "Meu filho está entrando na adolescência agora, e
a gente sabe que os adolescentes têm uma tendência muito
grande a ser vespertinos", diz
Pedrazzoli. "Eu não quero colocá-lo para estudar de manhã."
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