São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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CÉREBRO

Área do córtex aumenta atividade quando fim de tarefa se aproxima; pesquisa tem implicações em uso de drogas

Estudo ajuda a explicar "virada" no futebol

Ormuzd Alves - 24.jul.99/Folha Imagem
Ronaldo comemora gol contra a Alemanha em jogo realizado em 99, na Copa das Confederações


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Se Felipão e seus comandados começarem tomando um gol da Turquia na próxima segunda-feira, a ciência teria pelo menos uma idéia do que fazer pela seleção brasileira: estimular o córtex cingulado anterior dos jogadores.
Essa região do cérebro, revela uma pesquisa publicada hoje na revista "Science" (www.sciencemag.org), controla a motivação e a busca incessante por uma recompensa. As células nervosas dessa área seriam os "neurônios da raça", colocando o jogador para correr atrás do resultado.
O achado ainda explicaria um dos mais emocionantes eventos do futebol, a chamada "virada", segundo Barry Richmond, autor do estudo e pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Mental, nos EUA. "Imagine um time que está ganhando por dois gols de diferença", diz o pesquisador. "Eles ganham uma sensação de resolução cedo demais, como se a recompensa já tivesse sido ganha."
"O time que está atrás, se continuar motivado, mantém essa tensão que pode levá-lo a vencer. Eu não me surpreenderia se essas áreas do cérebro estivessem envolvidas", afirma Richmond.
Mas não só o futebol poderá lucrar com esse achado: Richmond e seu colega japonês Munetaka Shidara dizem que o estudo pode explicar doenças mentais sérias, como o distúrbio obsessivo-compulsivo e o abuso de drogas.
A pesquisa usou macacos resos (Macaca mulatta), mas os resultados devem se aplicar a seres humanos. "Não há diferença essencial", afirma Richmond.
"Para trabalhar a longo prazo, as duas espécies precisam de sinais que digam "ei, continue". O que muda é que nós usamos isso num grau sem precedentes."
Os macacos foram submetidos a um teste que exigia deles o reconhecimento correto de uma sequência de cores numa tela. Os bichos precisavam apertar uma tecla, quando então surgia uma luz vermelha que piscava por intervalos variáveis de tempo.
A tecla só podia ser solta quando surgia uma luz verde: se o macaco soltava a tecla até um segundo depois, vinha uma luz azul, que indicava a recompensa: um gole de suco de fruta.
Essa era a parte fácil. A coisa mudava de figura quando os animais precisavam prestar atenção numa barrinha luminosa no canto da tela. A cada sessão de reconhecimento de cores, ela ia ficando mais brilhante, mas a recompensa não vinha. Isso só acontecia se os macacos superavam diversas séries seguidas de reconhecimento, ganhando afinal o suco.
"Mesmo assim, eles aprendiam a associar a barrinha com a proximidade da recompensa em poucos minutos", conta Richmond. Monitorando o córtex cingulado anterior dos bichos (que fica bem no alto e no meio da testa) veio a explicação: um grupo de neurônios aumentava progressivamente sua atividade a cada sinal positivo, como se estimulasse os macacos a manter a concentração.
"Perto do final, alguns dos neurônios já tinham parado, enquanto os demais param com a recompensa", afirmou Richmond.
O mecanismo pode ajudar a explicar a compulsão por drogas, diz Shidara: "Nós podemos imaginar que uma atividade anormalmente alta [na região" levaria a uma sensação constante de expectativa sem uma resolução". O sistema que diz às pessoas normais que a recompensa chegou e é hora de parar não funcionaria nos viciados, afirma o cientista.



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