São Paulo, quinta-feira, 06 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

O FAMINTO

Comida sem frescura

ANDRÉ BARCINSKI

Deixem o curau em paz!


Perseguir a comida de rua vai totalmente contra a tradição multiétnica e multicultural de São Paulo

São Paulo sempre foi a Meca da comida de rua. Do churrasquinho grego ao curau, do milho verde ao acarajé, do yakisoba à cocada, andar pela metrópole é um delírio gastronômico.
Mas isso periga ser coisa do passado. Nossa prefeitura, tão zelosa com a higiene e saúde do paulistano -estão aí as ruas limpinhas e os hospitais moderníssimos, que não me deixam mentir- está caindo em cima dos ambulantes de rua com uma ferocidade impressionante.
Baianas do acarajé, tiozinhos da pamonha e tiazinhas do café com bolo de milho estão sendo perseguidos e tendo seu material confiscado. Será a tal da Cidade Limpa, de que tanto falam por aí?
Claro que ninguém defende sujeira. Um ambulante que vende produto ruim deve, claro, ser multado ou proibido de trabalhar.
Mas simplesmente perseguir a comida de rua e impossibilitar o trabalho de milhares de pessoas vai totalmente contra a tradição multiétnica e multicultural de São Paulo. É, literalmente, cuspir no prato em que comemos.
Lógico que algum burocrata pode invocar leis para justificar as ações. Mas pergunto: se a lei é igual para todos, significa que tudo que estiver fora dela será proibido?
Será que a prefeitura fechará todos os prédios públicos que não têm acesso a pessoas com necessidades especiais?
O caso dos ambulantes é mais um exemplo de problema público solucionado com o prejuízo do privado. Lei seca? Ótimo, ninguém pode ser contra. Mas por que o metrô não funciona a noite toda? Por que não há ônibus suficientes na madrugada? Por que todos -cidadãos e Estado- não podem colaborar?
Como sempre, é muito mais fácil proibir do que regulamentar. Alguém já tentou tirar um alvará para qualquer coisa em São Paulo?
Se os procedimentos burocráticos não fossem tão kafkianos, não estaríamos tendo essa discussão. E os tiozinhos do curau e as baianas do acarajé poderiam trabalhar em paz e na legalidade, para alegria de todos nós que, nos últimos 457 anos, já paramos numa esquina qualquer da cidade para matar a fome.


Texto Anterior: Picadinho: Quem come o quê e outros petiscos
Próximo Texto: Fogo alto - Lourdes Hernández: Uma cozinha que não viaja
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.