São Paulo, quinta-feira, 12 de maio de 2011

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O FAMINTO Comida sem frescura

ANDRÉ BARCINSKI

Sou o Marco Polo da Liberdade


Não é incomum você pedir camarão ao molho de ostras e a garçonete chinesa trazer um frango com gengibre


AH, A LIBERDADE... Meu bairro gastronômico predileto...
Quantos segredos não escondem aquelas ruas estreitas? Quantos karaokês enfumaçados, barraquinhas de yakisoba, botecos orientais e balcões de iguarias, só esperando para serem descobertos?
Cada vez que vou à Liberdade, sinto-me um verdadeiro Marco Polo, o mercador e viajante italiano, um dos primeiros ocidentais a percorrer a Rota da Seda, incluída aí a China.
Depois de anos frequentando os restaurantes do bairro da região central de São Paulo, especialmente os chineses, descobri que muitos oferecem uma espécie de imersão no modo de vida chinês que vai muito além da culinária.
Onde mais podemos viver como chineses sem precisar atravessar meio mundo? Onde podemos experimentar a sensação de ser governados com mão de ferro por uma ditadura comunista?
Experimente entrar no Chi Fu (praça Carlos Gomes, 168), um dos melhores da Liberdade. A primeira coisa que a garçonete de olhos puxados faz é apontar para uma mesa próxima aos banheiros e ordenar, em voz alta: "Senta ali!".
Daí, você pega o cardápio e passa os olhos nas delícias: lulas, mexilhões, ostras... Mal terminou a primeira página, a garçonete dá aquela intimada: "Já escolheu?".
A comunicação é difícil, o que torna a experiência ainda mais interessante. No Rei dos Reis (praça Carlos Gomes, 178), uma atendente perguntou o que gostaríamos de beber. Minha mulher disse: "Nada, obrigada", e a moça: "De laranja?".
Os cardápios são especialmente criados para reforçar as diferenças culturais. Só assim se explica a inclusão de acepipes como "peixica de pexie", "berinjera fita co bucho" e "barrica de tirapia". Não é incomum você pedir camarão ao molho de ostras e a moça trazer frango com gengibre. Faz parte.
No ótimo Jardim Meio Hectare (rua Thomaz Gonzaga, 65), um amigo puxou conversa com um garçom: "Por que chama Jardim Meio Hectare?". A resposta veio curta e grossa: "Porque é metade de um hectare!".
Agora, experiência radical mesmo tivemos no Champion (rua da Glória, 118), quando um garçom nos expulsou aos gritos: "Aqui não! Cheio! Vai pra outro!". Nos sentimos imigrantes ilegais, barrados na terra prometida. Inesquecível.


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