São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2011

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DEPOIMENTO

Do dia em que a cachaça me fez voltar a acreditar na humanidade


COM TRÊS CRAQUES DO GOLE E UMA DÚZIA DE COPINHOS, EU ME SENTI COMO O GAROTO QUE É CONVIDADO PARA BATER BOLA COM NEYMAR E GANSO

MILLY LACOMBE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Meu apego pela cachaça começou há sete anos, quando passei a frequentar o sul de Minas Gerais. Como a população local bebia com enorme devoção, decidi encarar a branquinha, quase uma juvenil tentativa de me misturar.
Mas os primeiros goles produziam em mim uma involuntária careta, do tipo que não permite mentiras. Tudo mudou quando provei uma bem amarela, de produção local, misturada a mel. Alternando com goles de cerveja, acabei me apegando ao gosto e introduzi a cachaça à rotina etílica do fim de semana.
Aos poucos me deixei seduzir e fui provando outros tipos, sem misturas adocicadas. E a vida seguiu, labuta diária de jornalista, correndo atrás do tostão, até que um telefonema finalmente fez com que toda essa involuntária preparação ganhasse cor. Era o convite para fazer uma degustação de cachaça para o Comida. Tantos anos de prática tinham finalmente se mostrado lucrativos.
À mesa, com mais de uma dúzia de copinhos ao alcance das mãos, e acompanhada de três craques do gole -Manoel Beato, sommelier do Fasano, Mauro Marcelo Alves, jornalista especializado em bebida, e Leandro Batista, mestre-cachacista- eu me senti como o garoto que é convidado para bater bola com Neymar e Ganso.
Na chegada, Mauro quis saber se eu estava preparada e a resposta só podia ser uma: "faz quase dez anos".
Desci de meu pedestal ébrio quando vi Beato e Mauro com um potinho vazio no colo. "O que é isso?", perguntei. "Para cuspir", respondeu Beato. E eu me vi obrigada a fazer a pergunta seguinte. "Mas vocês não engolem?". Beato explicou que, mesmo cuspindo, de 10% a 20% do álcool ficaria em seu organismo. Em mim, se houve uma dúvida em relação ao que fazer, ela não durou um segundo: estava decidida a engolir. E, assim, encarei os dez copinhos, que viraram 14 no decorrer da degustação.
A consciência de que estava bebendo as melhores cachaças, com os maiores especialistas, ouvindo um cachacista dar explicações técnicas, minuciosas e apaixonadas, e que ainda receberia por isso, me fizeram voltar a acreditar na humanidade.


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