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Óbito de bebê prova existência de família
DA SUCURSAL DO RIO
Na falta de certidões de nascimento e de outros documentos,
Elisabeth Pereira de Oliveira
guarda num saco vazio de feijão
as provas da existência da família,
como os cartões de vacina das
crianças e a conta de luz (emitida
em nome do pai dela).
Entre os papéis amassados e sujos destaca-se um único documento real: a certidão de óbito de
sua última filha, Rebeca Pereira
de Oliveira da Silva, morta em 27
de abril de 2002, pouco depois de
nascer, no Hospital Rocha Faria,
em Campo Grande (zona oeste).
Elisabeth conta que o ex-marido, Sérgio da Silva, dono de certidão de nascimento e carteira de
identidade, conseguiu tirar o atestado de óbito só com os dados dele. "Ficaram com pena porque a
gente tinha de enterrar a coitadinha. Mas nunca conseguimos registrar as crianças só com a certidão do pai. A que morreu teve
mais sorte, pelo menos teve um
documento na vidinha dela", diz.
Ela afirma que, para dar à luz os
cinco filhos, conseguiu se internar
em hospitais públicos, mesmo
sem documentos. Para retirar as
crianças, precisou da ajuda da irmã, Lúcia, que assinou os termos
de responsabilidade.
Elisabeth nasceu em casa, e ninguém se preocupou em fazer o registro. A mãe, Geralda, também
não tinha certidão de nascimento,
o que dificultou mais a obtenção
do documento da criança. A irmã
de Elisabeth, Lúcia, é filha de outro casamento do pai.
Dirce da Silva, uma tia de Elisabeth que presenciou o nascimento da menina, foi contando os
anos na memória. "Faz 23 anos e
eu me lembro como se fosse hoje.
A falecida [mãe de Elisabeth"
sempre quis uma certidão e nunca conseguiu. Morreu e virou indigente, coitada", diz a tia.
Sem emprego
A artesã e seus filhos são personagens de um Brasil onde miséria
e ignorância se misturam. Sobrevivem sem existir legalmente, dependendo de parentes para qualquer atividade formal.
Elisabeth diz que não consegue
emprego porque ninguém contrata gente sem um documento
sequer. Também não consegue
matricular os filhos na escola,
porque eles não têm certidão de
nascimento.
Ganha R$ 3 por centena de pulseiras que fabrica, revendidas para um estrangeiro que contrata
mão-de-obra no bairro, e consegue tirar até R$ 8 por semana. Do
ex-marido, que deixou o barraco
há uma semana, recebe um pouco
de dinheiro para os filhos. Parentes e vizinhos também ajudam.
Seu estoque de comida se resume a duas cestas básicas, doadas
pela igreja e pela campanha Natal
sem Fome, da Ação da Cidadania
contra a Fome.
"Aqui o que não falta é gente
sem documento, inclusive casos
graves, gente que não tem nem
certidão", afirma a coordenadora
do comitê Servas do Senhor da
Ação da Cidadania, Edir Darieux.
No barraco de pedaços de madeira e chão de barro, um cachorro disputa restos de comida com o
gato. Moscas rondam as crianças
e sobrevoam pedaços de carne
posta ao ar livre para salgar.
O garoto mais novo, Patrick, 2,
está com bronquite e respira com
dificuldade. Chora. Elisabeth
mandou sua outra filha, Janaína,
6, para ser criada pela madrinha.
Os irmãos maiores, Aline, 3, e Edson, 7, se divertem com as visitas.
Aline é a mais sorridente e pergunta por Papai Noel. Ao ver um
lápis, não sabe utilizá-lo para rabiscar. Mastiga-o, come as pontas, arranca a pintura: "Comi tudo, tia, comi tudo".
(FE)
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