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SEGURANÇA
Para Luiz Eduardo Soares, medidas isoladas, omissão dos Estados e não-avaliação dos projetos resultam em desperdício
Novo secretário quer rigor no uso de verbas
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Improviso, ações isoladas, falta
de comunicação entre as instituições, omissão dos Estados e ausência de avaliação dos investimentos. O resultado desse somatório, segundo o novo secretário
nacional de Segurança Pública,
Luiz Eduardo Soares, só pode ser
desperdício de dinheiro público.
Antropólogo de 48 anos, vice de
Benedita da Silva (PT) na chapa
derrotada para o governo do Rio,
Soares assume a secretaria, ligada
ao Ministério da Justiça, com a
promessa de criar uma política
nacional no setor. Para isso, fala
em fazer caravana pelos Estados
para negociar projetos, mas também promete cobrar e fiscalizar.
Pretende ter uma boa relação
inclusive com o governo do Rio.
Demitido pela televisão em 2000,
pelo então governador Anthony
Garotinho (PSB), Soares disse, na
época, que aumentava a influência da "banda podre" da polícia
no Estado. Agora, afirma que não
terá problemas em sentar à mesa
com a governadora Rosinha Matheus, mulher de Garotinho.
A seguir a entrevista dada pelo
novo secretário à Folha.
Folha - Quais serão as prioridades
da secretaria, que ganha força com
o novo governo?
Luiz Eduardo Soares - Não vai haver nenhuma improvisação. Temos a intenção de aplicar o plano
elaborado durante um ano e
meio, com a participação de mais
de 3.000 interlocutores.
Folha - Isso quer dizer que a política atual é de improviso?
Soares - Nunca houve no Brasil
uma política de segurança pública. Houve projetos tópicos, parciais, pontuais. Iniciativas importantes, outras menos. Mas os esforços se perderam, em geral, por
conta do caráter fragmentário.
Folha - Por que isso aconteceu?
Soares - Estados, municípios e
governo federal procuravam fazer
seu trabalho, mas sem diálogo. Isso resulta em iniciativas de vida
curta. Nossa perspectiva é a de integração, para a consolidação do
que chamamos de sistema único
de segurança pública, à moda do
que ocorre na saúde. As propostas que estão no nosso plano estão
vivas nos planos estaduais. Existe
um nível mínimo de consenso em
torno de um projeto nacional de
modernização e de moralização.
Folha - A modernização exige
verba. São R$ 600 milhões previstos em 2003 para a segurança pública. Serão suficientes?
Soares - R$ 600 milhões são menos do que o necessário. Mas são
muito mais do que já tivemos. É
possível fazer muita coisa. E qual
o espírito para a aplicação desses
recursos? Racionalização. O grande risco é a fragmentação, que
tem caracterizado o caso brasileiro. Existem investimentos na área
de segurança pública. Mas eles
não têm se traduzido no aumento
da eficiência do trabalho policial.
Folha - Para onde vai o dinheiro?
Soares - Está se dispersando
num conjunto amplo de iniciativas que não estão interligadas por
uma política. Existe verba para
automóveis, coletes e armas. Ou,
em alguns casos, para computadores. Mas, se você investe na
compra de equipamentos, é preciso que você saiba para que eles
estão servindo, de qual projetos
fazem parte e qual a transformação efetiva da instituição. Muitas
vezes existe um investimento em
computadores de alta geração
que, em seis meses, precisam ser
trocados e passam a ser usados
como máquinas de escrever. Isso
acontece porque os equipamentos não estão a serviço de um projeto de informatização que dê
sentido ao investimento.
Folha - Uma fragmentação que
gera desperdício.
Soares - Isso mesmo. Os recursos são dispersos e se perdem. Se
você pulveriza as iniciativas, por
mais que elas sejam justificáveis,
sem um projeto global que estabeleça inclusive a avaliação dos
resultados da aplicação, você perde esses recursos a curto prazo. O
fundamental é negociar Estado
por Estado uma política global.
Folha - Mas os Estados têm uma
tendência de só verem seus próprios problemas. Como construir
um plano global assim?
Soares - É uma construção difícil, e precisamos de muita paciência. A tradição no Brasil não é de
planejamento na área da segurança pública. Quando os Estados
descobrem que o governo federal
tem recursos, o que que eles fazem? Eles mandam um emissário
a Brasília, um funcionário, em geral, de segundo ou terceiro escalão, para conversar com os burocratas do governo federal, saber
quais as regras do jogo e organizar
os projetos para obter os recursos.
Não há um plano bem elaborado,
visando ao enfrentamento dos
problemas importantes, que possa ser negociado com o governo.
Folha - É a prática do improviso.
Soares - Faz um projetinho, que
se adapta às normas, para receber
aquele dinheirinho. E muitas vezes o Estado deixa de investir e cobre os gastos na área da segurança
com os recursos que vêm do governo federal. Em vez de mais dinheiro, o que se vê é uma diminuição da participação dos Estados, que usam o governo federal
para se livrar de suas obrigações.
Folha - Como assim?
Soares - O Estado, em vez de assumir suas responsabilidades e
investir na área da segurança "X"
milhões de reais, retira esse valor e
aplica em outra área. Quando recebe dinheiro do governo federal
para segurança, acaba usando esse recurso para suprir o que retirou dessa área anteriormente. O
ideal seria que o Estado mantivesse os "X" milhões na área de segurança e obtivesse do governo um
investimento adicional.
Folha - O Estado diminui cada vez
mais sua participação na área da
segurança à medida que recebe
mais dinheiro do governo federal?
Soares - O investimento não se
altera muito. Porque quanto mais
o governo federal investe, mais os
Estados "desinvestem". Não
avançamos. Ficamos derrapando,
girando sobre os pés.
Folha - Isso desafoga os Estados.
Soares - Os Estados acabam se
desafogando. A área recebe os
mesmos recursos, só que de fontes diferentes. Os Estados se desobrigam de suas responsabilidades. Temos de evitar essa renúncia. Por isso temos de dialogar.
Folha - Isso vai exigir uma caravana pelos Estados.
Soares - Eu tenho essa disposição. Temos de dialogar. Hoje em
dia, por incrível que pareça, as
instituições não falam entre si. A
Polícia Rodoviária Federal hoje
não fala com a Polícia Federal.
Folha - É possível ter uma idéia do
desperdício com o improviso?
Soares - A pergunta toca numa
ferida importante. O fato de o Estado brasileiro não ser capaz de
responder a essa pergunta mostra
que não havia critérios de avaliação dos programas apoiados com
recursos federais. E é inaceitável
que você promova investimentos
federais sem dispor de instrumentos de avaliação dos resultados. A sociedade tem todo o direito de saber. Esse tipo de política
do desperdício, do improviso, envolve também a falta de mecanismos de avaliação. Se você pergunta ao Estado brasileiro, como eu
pude perguntar na fase de transição do governo, quanto foi investido em segurança, os números
estão lá. Mas, quando você pergunta quais as consequências desse investimento, o que ele trouxe
de aperfeiçoamento, faz-se o silêncio. Porque o Estado não trabalhava com base num planejamento que envolvesse monitoramento e avaliação. Não podemos
mais aceitar pedidos pontuais:
"Eu quero mais viaturas, eu quero
mais computadores". Tem de
perguntar viatura para quê, associada a que projeto de mudança, a
que plano de ação.
Folha - E como seria essa prestação de contas dos Estados?
Soares - Não adianta dizer que
fez milhares de operações,
apreensões de droga e prisões.
Não é uma maneira adequada de
medir eficiência policial. Ela deve
ser medida pela redução da criminalidade. Se fez uma operação ou
mil operações, o que a sociedade
quer saber é de que maneira elas
contribuíram para melhorar a situação de segurança e tornar a vida melhor para as pessoas. Essa
virada caracterizou-se, em outros
países, como um salto de qualidade nos anos 90. E não bastam os
dados policiais para termos as
respostas. Precisamos trabalhar
com pesquisas de vitimização, feitas por institutos de pesquisa
cientificamente muito superiores.
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