São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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SEGURANÇA

Para Luiz Eduardo Soares, medidas isoladas, omissão dos Estados e não-avaliação dos projetos resultam em desperdício

Novo secretário quer rigor no uso de verbas

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Improviso, ações isoladas, falta de comunicação entre as instituições, omissão dos Estados e ausência de avaliação dos investimentos. O resultado desse somatório, segundo o novo secretário nacional de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares, só pode ser desperdício de dinheiro público.
Antropólogo de 48 anos, vice de Benedita da Silva (PT) na chapa derrotada para o governo do Rio, Soares assume a secretaria, ligada ao Ministério da Justiça, com a promessa de criar uma política nacional no setor. Para isso, fala em fazer caravana pelos Estados para negociar projetos, mas também promete cobrar e fiscalizar.
Pretende ter uma boa relação inclusive com o governo do Rio. Demitido pela televisão em 2000, pelo então governador Anthony Garotinho (PSB), Soares disse, na época, que aumentava a influência da "banda podre" da polícia no Estado. Agora, afirma que não terá problemas em sentar à mesa com a governadora Rosinha Matheus, mulher de Garotinho.
A seguir a entrevista dada pelo novo secretário à Folha.

Folha - Quais serão as prioridades da secretaria, que ganha força com o novo governo?
Luiz Eduardo Soares -
Não vai haver nenhuma improvisação. Temos a intenção de aplicar o plano elaborado durante um ano e meio, com a participação de mais de 3.000 interlocutores.

Folha - Isso quer dizer que a política atual é de improviso?
Soares -
Nunca houve no Brasil uma política de segurança pública. Houve projetos tópicos, parciais, pontuais. Iniciativas importantes, outras menos. Mas os esforços se perderam, em geral, por conta do caráter fragmentário.

Folha - Por que isso aconteceu?
Soares -
Estados, municípios e governo federal procuravam fazer seu trabalho, mas sem diálogo. Isso resulta em iniciativas de vida curta. Nossa perspectiva é a de integração, para a consolidação do que chamamos de sistema único de segurança pública, à moda do que ocorre na saúde. As propostas que estão no nosso plano estão vivas nos planos estaduais. Existe um nível mínimo de consenso em torno de um projeto nacional de modernização e de moralização.

Folha - A modernização exige verba. São R$ 600 milhões previstos em 2003 para a segurança pública. Serão suficientes?
Soares -
R$ 600 milhões são menos do que o necessário. Mas são muito mais do que já tivemos. É possível fazer muita coisa. E qual o espírito para a aplicação desses recursos? Racionalização. O grande risco é a fragmentação, que tem caracterizado o caso brasileiro. Existem investimentos na área de segurança pública. Mas eles não têm se traduzido no aumento da eficiência do trabalho policial.

Folha - Para onde vai o dinheiro?
Soares -
Está se dispersando num conjunto amplo de iniciativas que não estão interligadas por uma política. Existe verba para automóveis, coletes e armas. Ou, em alguns casos, para computadores. Mas, se você investe na compra de equipamentos, é preciso que você saiba para que eles estão servindo, de qual projetos fazem parte e qual a transformação efetiva da instituição. Muitas vezes existe um investimento em computadores de alta geração que, em seis meses, precisam ser trocados e passam a ser usados como máquinas de escrever. Isso acontece porque os equipamentos não estão a serviço de um projeto de informatização que dê sentido ao investimento.

Folha - Uma fragmentação que gera desperdício.
Soares -
Isso mesmo. Os recursos são dispersos e se perdem. Se você pulveriza as iniciativas, por mais que elas sejam justificáveis, sem um projeto global que estabeleça inclusive a avaliação dos resultados da aplicação, você perde esses recursos a curto prazo. O fundamental é negociar Estado por Estado uma política global.

Folha - Mas os Estados têm uma tendência de só verem seus próprios problemas. Como construir um plano global assim?
Soares -
É uma construção difícil, e precisamos de muita paciência. A tradição no Brasil não é de planejamento na área da segurança pública. Quando os Estados descobrem que o governo federal tem recursos, o que que eles fazem? Eles mandam um emissário a Brasília, um funcionário, em geral, de segundo ou terceiro escalão, para conversar com os burocratas do governo federal, saber quais as regras do jogo e organizar os projetos para obter os recursos. Não há um plano bem elaborado, visando ao enfrentamento dos problemas importantes, que possa ser negociado com o governo.

Folha - É a prática do improviso.
Soares -
Faz um projetinho, que se adapta às normas, para receber aquele dinheirinho. E muitas vezes o Estado deixa de investir e cobre os gastos na área da segurança com os recursos que vêm do governo federal. Em vez de mais dinheiro, o que se vê é uma diminuição da participação dos Estados, que usam o governo federal para se livrar de suas obrigações.

Folha - Como assim?
Soares -
O Estado, em vez de assumir suas responsabilidades e investir na área da segurança "X" milhões de reais, retira esse valor e aplica em outra área. Quando recebe dinheiro do governo federal para segurança, acaba usando esse recurso para suprir o que retirou dessa área anteriormente. O ideal seria que o Estado mantivesse os "X" milhões na área de segurança e obtivesse do governo um investimento adicional.

Folha - O Estado diminui cada vez mais sua participação na área da segurança à medida que recebe mais dinheiro do governo federal?
Soares -
O investimento não se altera muito. Porque quanto mais o governo federal investe, mais os Estados "desinvestem". Não avançamos. Ficamos derrapando, girando sobre os pés.

Folha - Isso desafoga os Estados.
Soares -
Os Estados acabam se desafogando. A área recebe os mesmos recursos, só que de fontes diferentes. Os Estados se desobrigam de suas responsabilidades. Temos de evitar essa renúncia. Por isso temos de dialogar.

Folha - Isso vai exigir uma caravana pelos Estados.
Soares -
Eu tenho essa disposição. Temos de dialogar. Hoje em dia, por incrível que pareça, as instituições não falam entre si. A Polícia Rodoviária Federal hoje não fala com a Polícia Federal.

Folha - É possível ter uma idéia do desperdício com o improviso?
Soares -
A pergunta toca numa ferida importante. O fato de o Estado brasileiro não ser capaz de responder a essa pergunta mostra que não havia critérios de avaliação dos programas apoiados com recursos federais. E é inaceitável que você promova investimentos federais sem dispor de instrumentos de avaliação dos resultados. A sociedade tem todo o direito de saber. Esse tipo de política do desperdício, do improviso, envolve também a falta de mecanismos de avaliação. Se você pergunta ao Estado brasileiro, como eu pude perguntar na fase de transição do governo, quanto foi investido em segurança, os números estão lá. Mas, quando você pergunta quais as consequências desse investimento, o que ele trouxe de aperfeiçoamento, faz-se o silêncio. Porque o Estado não trabalhava com base num planejamento que envolvesse monitoramento e avaliação. Não podemos mais aceitar pedidos pontuais: "Eu quero mais viaturas, eu quero mais computadores". Tem de perguntar viatura para quê, associada a que projeto de mudança, a que plano de ação.

Folha - E como seria essa prestação de contas dos Estados?
Soares -
Não adianta dizer que fez milhares de operações, apreensões de droga e prisões. Não é uma maneira adequada de medir eficiência policial. Ela deve ser medida pela redução da criminalidade. Se fez uma operação ou mil operações, o que a sociedade quer saber é de que maneira elas contribuíram para melhorar a situação de segurança e tornar a vida melhor para as pessoas. Essa virada caracterizou-se, em outros países, como um salto de qualidade nos anos 90. E não bastam os dados policiais para termos as respostas. Precisamos trabalhar com pesquisas de vitimização, feitas por institutos de pesquisa cientificamente muito superiores.



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