São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2001

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VIOLÊNCIA

Gravação do circuito interno de TV é interrompida na hora em que mulheres acusadas de furto estão na sala dos seguranças

Polícia apura se hipermercado fraudou fita

PEDRO DANTAS
DA SUCURSAL DO RIO

A fita do circuito interno de TV que a filial do hipermercado Carrefour em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, apresentou à polícia tem uma interrupção de 4 horas e 40 minutos. A imagem some justamente no momento em que duas mulheres flagradas furtando frascos de filtro solar estão na sala dos seguranças.
Andréa Cristina dos Santos, 30, e Geni Ribeiro Barbosa, 27, denunciaram à polícia que os seguranças do hipermercado chamaram traficantes de uma favela próxima para puni-las pelo furto, ocorrido no último sábado.
O delegado adjunto da 41ª Delegacia de Polícia, Orlando Zaccone, disse que quer saber "se houve edição de imagens" ou se o Carrefour interrompeu "a gravação quando não interessava mais".
O delegado afirmou que o gerente do hipermercado de Jacarepaguá, Joaquim Antônio Almeida da Silva, prestará depoimento amanhã e que pedirá explicações sobre a fita fornecida, a contratação de seguranças e o fornecimento de cestas básicas para a comunidade de Cidade de Deus.
De acordo com a fita entregue pelo hipermercado, o circuito interno de câmeras de vídeo começou a acompanhar a movimentação das duas mulheres às 15h58 de sábado no setor de mercearia.
A imagem mostra Andréa colocando oito frascos de protetor solar dentro de sua bolsa. Ao chegar ao caixa junto com Geni, elas são abordadas por um segurança e levadas para uma sala. Na fita, as duas aparecem retirando os protetores da bolsa na frente do segurança José Luís Ferreira. Nesse momento, às 16h07, a imagem some. Após cinco segundos de ruído de áudio e vídeo, a gravação recomeça -às 20h47- com cenas cotidianas do hipermercado.
Após a interrupção da fita, segundo Andréa e Geni disseram à polícia, o segurança teria ligado para uma mulher chamada Lolonga, que seria contato do traficante Telo, gerente do tráfico de drogas na favela de Cidade de Deus, no zona oeste do Rio.
Segundo o relato, um traficante chamado Quinho foi até o hipermercado e teria levado Geni ao encontro de Telo na favela. Lá, ela teria sido espancada e amarrada a pneus que seriam incinerados. Geni fez exame no Instituto Médico Legal, mas o resultado ainda não foi divulgado.
Ela teria sido salva porque sua amiga Andréa, que permaneceu no Carrefour, saiu correndo da sala dos seguranças ao ser informada que também seria levada para ser punida pelos traficantes. Andréa foi socorrida pelo gerente de uma tabacaria, que telefonou para o 190 e chamou a polícia.
Preocupado com a chegada dos policiais, o segurança Flávio Augusto Grachet teria ido à Cidade de Deus pedir aos traficantes a libertação de Geni. Os dois seguranças, além do gerente de segurança Tadeu Pinto, estão presos desde sábado.
Empresas de segurança ouvidas pela Folha disseram que um circuito interno de TV nunca é interrompido, pois um aparelho chamado "multiplexador" permite ao sistema registrar imagens de 16 câmeras simultaneamente até 72 horas sem interrupção.
"É uma safadeza, eles cortaram o pedaço que mostra o traficante indo pegar a Geni para não serem incriminados", disse Andréa à Folha ontem. Segundo ela, as duas seriam levadas à presença de traficantes porque mentiram dizendo que moravam na Cidade de Deus. "Se eu morasse lá, o castigo seria levar uma surra e ter o cabelo raspado, mas quem não é da favela morre", afirmou Andréa, que, na verdade, mora na Pavuna (zona norte).
A ONG Justiça Global preparou uma carta que será divulgada na França hoje pela FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) relatando o incidente que envolveu o Carrefour no Brasil e solicitando aos diretores da empresa explicações sobre a política de segurança da multinacional francesa. A FIDH, criada em 1922, é a mais antiga entidade de direitos humanos com sede na França e está presente em 105 países.


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