São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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DIREITOS HUMANOS

Na pesquisa do Datafolha, 72% se manifestaram contra a prática; em relação a 1997, apoio aumentou

24% dos paulistanos admitem a tortura

LUIZ CAVERSAN
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase um quarto dos paulistanos -ou exatos 24%- admite a prática de tortura para que pessoas suspeitas confessem crimes. É o que revela pesquisa do Datafolha realizada na capital com 4.509 pessoas maiores de 16 anos, para quem a tortura física deve ser sempre utilizada pela polícia para obter a confissão de culpa por parte de suspeitos (7% do total) ou deve ser aplicada às vezes, dependendo da situação (17%).
A maioria absoluta dos paulistanos, no entanto, manifestou-se contra a prática da tortura como método de interrogatório. Aqueles que assim se posicionaram somam 72% das pessoas ouvidas pelo Datafolha entre os dias 19 de novembro e 3 de dezembro.
Os números, recolhidos em todas as regiões da cidade, demonstram que, na comparação com pesquisa anterior realizada em 1997, aumentou o apoio dos paulistanos a essa prática, classificada pela legislação em vigor como crime hediondo e que expõe seu praticante a penas de prisão de dois a oito anos, sem direito a fiança -no caso de o torturador ser funcionário público e o torturado morrer, a pena pode ir a 21 anos.
Há seis anos, a quantidade de pessoas para quem suspeitos nunca deveriam ser torturados chegava a 78% do total de entrevistados pelo Datafolha, ao passo que 15% diziam que a tortura poderia ser utilizada às vezes, e 5%, sempre que se quisesse obter a confissão de um crime.
Esses números só encontram paralelo em levantamento realizado há quase dez anos, quando 27% dos paulistanos admitiam algum tipo de tortura e 71% se manifestaram contra.

Contexto de violência
Os dados revelados pelo último levantamento do instituto emergem de um contexto em que há grande preocupação da população da cidade de São Paulo com a violência e uma tendência de apoio ao recrudescimento das punições aos atos de criminosos.
Números extraídos desse levantamento e publicados pela Folha em caderno especial sobre os paulistanos no último dia 25, dão conta de que a violência é a primeira idéia que vem à cabeça do morador de São Paulo quando ele pensa em sua cidade.
A falta de segurança foi também apontada como a principal desvantagem de viver na capital.
Outros dois pontos abordados pela pesquisa referiam-se à punição de criminosos: aumentou o número de paulistanos que são favoráveis à adoção da pena de morte (59%), assim como cresceu o apoio à eventual instituição da prisão perpétua no país (81%).
O Datafolha dividiu a cidade em 19 regiões de acordo com a proximidade e afinidades socioeconômicas dos bairros. Dessa forma, pode-se afirmar que a região em que é maior o apoio da população à prática da tortura em interrogatórios é a que compreende os bairros Ipiranga, Vila Prudente e Sacomã: nada menos que 31% dos entrevistados são favoráveis ao suplício físico sempre (9%) ou em certas situações (22%).
Esses bairros, relativamente próximos do centro e localizados no sudeste do município, abrigam moradores de classe média de perfil conservador. A criminalidade na área é baixa, se comparada a outras regiões da cidade, com exceção das proximidades da favela Heliópolis, no Sacomã.
Dados referentes ao ano de 2000 dão conta, por exemplo, que oito moradores do Ipiranga, na faixa de 15 a 24 anos, foram vítimas de homicídio naquele ano.
É na problemática região de Sapopemba/São Mateus, na zona leste, que se encontra o maior número de entrevistados que apóiam a prática de tortura pela polícia -10% têm essa opinião.
Isso apesar de a área sempre aparecer no noticiário com informações relativas a desrespeito aos direitos humanos durante ações policiais e dos altos índices de criminalidade ali registrados (160 jovens de 15 a 24 anos de São Mateus e de Sapopemba foram vítimas de homicídio em 2000).
Foi na região dos bairros de Perdizes, Pinheiros e Lapa que os pesquisadores encontraram o maior número de pessoas que condenam a tortura -81%. Nessa área, há bons indicadores sociais: apenas um jovem vítima de homicídio em Pinheiros e dois em Perdizes em 2000, 36% da população com renda familiar acima de dez salários mínimos e 35% dos moradores com curso superior.
Esses dois últimos dados, em cruzamento com outras informações da pesquisa, ajudam a contextualizar melhor a opinião das pessoas em relação à tortura.
A maioria daqueles que admitem o crime hediondo para que crimes sejam esclarecidos, sempre ou em determinadas situações, tem um perfil bastante definido: são mulheres, têm entre 16 e 25 anos, cursaram o ensino fundamental ou médio e integram família cuja renda mensal é inferior a dez salários mínimos.
Quanto maiores o nível de instrução e a renda, menor o apoio à tortura em ações policiais.



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