São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Nessa região, uma advogada que militava na área foi ameaçada de morte e teve que buscar exílio

Em Sapopemba, 10% apóiam maus-tratos

DA REPORTAGEM LOCAL

Situação um: 10% dos moradores de uma região de São Paulo afirmam que a polícia deve sempre utilizar a tortura como meio de obter a confissão de um suspeito de ter cometido um crime.
Situação dois: quase duas dezenas de denúncias de violação de direitos humanos em um ano numa mesma área da cidade. Ali, a polícia é acusada de tortura, assassinato e de ameaçar de morte uma advogada que defendia quem denuncia a ação truculenta de policiais. Acolhida pela Anistia Internacional, essa advogada vive hoje fora do país.
Regiões distintas, antagônicas? Não, é a mesma: Sapopemba/São Mateus, na periferia leste de São Paulo -pela metodologia do Datafolha, a área inclui ainda Cidade Líder e Parque do Carmo.
Sapopemba não é o bairro mais violento da cidade, mas está entre os cinco principais. Em 2000, conforme a Fundação Seade, ocorreram ali 95 homicídios, contra 135 do Grajaú ou 109 do Jardins Ângela, ambos bairros da zona sul e os campeões desse tipo de crime.
Mas é de Sapopemba que chega às entidades de defesa dos direitos humanos grande parte das denúncias de violência policial. Eis três casos relatados à Comissão Municipal de Direitos Humanos:
Em março de 2002, um jovem de 20 anos que transitava à noite pelo bairro foi alvejado com cinco tiros. Os disparos teriam partido de um policial à paisana que alegou ter sentido medo do rapaz.
Em 2003, durante operação para elucidar um seqüestro, policiais civis teriam invadido residências do bairro, prendendo um casal numa delas. Segundo a comissão, "o casal foi barbaramente torturado na própria residência".
Ainda durante essa mesma operação, um adolescente foi morto com um tiro nas costas, após ter sido preso e liberado pelos policiais, que, segundo os denunciantes, teriam atirado.
Os casos foram apresentados pela advogada Valdênia Aparecida Paulino, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Sapopemba, à secretária-geral da Anistia Internacional, Irene Khan, que visitou o bairro no ano passado.
Valdênia é conhecida como militante contra abusos policiais e recebeu recados segundo os quais estaria "fazendo hora extra na Terra". Em julho de 2003, discutiu na Secretaria Nacional dos Direitos Humanos os problemas da região e o seu próprio. Até o final do ano, as ameaças aumentaram, e Valdênia, sob proteção da Anistia, mudou-se para os Estados Unidos. Agora, vive na Europa.
"Quem trabalha nessa área sofre ameaças e sabe que os denunciantes são freqüentemente vítimas de represálias", diz a socióloga Beatriz Affonso, da Comissão Municipal de Direitos Humanos, criada em setembro de 2002 com o objetivo de recolher denúncias e acompanhar casos. Nos primeiros 12 meses de trabalho, houve 143 comunicações de violações de direitos humanos. Dessas, 62 foram "adotadas" pela comissão e 31 têm policiais como acusados.
"Mas, de setembro até agora, recebemos cem comunicações", afirma Beatriz. (LUIZ CAVERSAN)


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