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DANUZA LEÃO
A salvação (ou a ruína) do amor
Não foi a pílula anticoncepcional a grande responsável pela revolução feminina;
também se deve à invenção da secretária eletrônica a liberdade
que as mulheres conquistaram
para as coisas mais banais, tipo
descer rapidinho e ir à padaria
comprar um pão e 200 g de presunto sem medo de ele ligar exatamente naquele minuto. Antes, o
normal era ficar grudada no telefone, com fome, sede e calor, se
fosse o caso, sem coragem nem de
entrar no chuveiro, de medo de o
telefone tocar e não ouvir a campainha (com direito a de vez em
quando tirar o telefone do gancho
para ver se estava funcionando).
Olha só a escravidão: apaixonadas, elas não saíam de casa (ele
podia ligar) nem podiam se consolar com uma amiga para não
ocupar o telefone. E isso era vida?
Era, e mais: um telefone custava
caríssimo, era um bem tão real
quanto um terreno ou uma casa e
declarado no Imposto de Renda.
As famílias tinham só um -isso
quando tinham- e, para conseguir uma linha, se esperava de 20
a 30 minutos, o que tornava cada
ligação preciosa. Quem nunca teve um carpinteiro ou eletricista
cujo número do telefone vinha
acompanhado de um "por favor"? Era o telefone do vizinho,
que dava os recados "por favor",
lembra?
Nesse tempo se entrava em casa
perguntando, antes de dizer um
oi, "alguém me ligou?". Se a empregada respondia sim, vinha logo o complemento: "voz de homem ou de mulher?". Como a
maioria das empregadas não sabia ler nem escrever, os recados
não eram anotados, e freqüentemente elas esqueciam o nome de
quem havia ligado. Aí, começava
o stress: teria sido ele? Como saber? E se fosse e ele não ligasse
nunca mais? Detalhe: se alguém
ousasse ocupar o telefone por
mais de dois minutos a qualquer
hora do dia ou da noite, havia
sempre uma voz vinda das trevas
gritando "olha esse telefone".
As coisas foram mudando, e foi
uma verdadeira revolução quando surgiu a secretária eletrônica e
mais tarde o bip da secretária; de
onde estivesse, se podia checar todos os recados (se ele tinha ligado,
aliás, que era só o que interessava). Só a partir daí se tinha tranqüilidade para namorar outro;
ou porque o primeiro já estava totalmente seduzido ou por vingança, se ele tivesse sumido. Só que as
coisas mudaram mais ainda, e o
que era a grande liberdade virou
quase uma camisa-de-força.
Mulher, como todo mundo sabe, passa grande parte da vida esperando pelo telefonema de algum homem: ou porque se conheceram na véspera e ela quer saber
a quantas anda o seu poder de sedução, ou porque brigaram, ou
por nada.
Quem não teve um dia a necessidade de ligar para o homem de
sua vida do momento para saber
se ele está em casa? E ligar para a
vadia para tentar saber se eles estão juntos talvez? Mas também
não pode, e pela mesma razão: o
tal do bina, verdadeiro dedo-duro
eletrônico, entrega quem ligou, oh
mundo.
Por um lado é bom: quando os
homens (e mulheres) saem do trabalho correndo para dar uma rápida namoradinha, não precisam
se apressar: com o celular, todos
podem ser encontrados a qualquer hora em qualquer lugar e inventar qualquer mentira: que está no trânsito, no estacionamento, no hospital, fazendo um programa cultural com o chefe.
Por esse ponto de vista é ótimo,
mas não é justo: afinal, não se pode mais trair em paz?
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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