São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004 |
Texto Anterior | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN Como medir se um candidato a prefeito é sério
Uma pesquisa comentada
no caderno Sinapse, divulgada na última terça-feira, mostra que a violência se combate literalmente no berço. O raciocínio, em poucas palavras, é o seguinte: a mãe que não tem condições de criar um filho, obrigada a sustentá-lo na marra e a contragosto, termina por danificar-lhe a auto-estima, jogando-o no risco da marginalidade. Sem contar o óbvio fato de que faltará a essa criança, além do acolhimento psicológico, estímulos educacionais, devido à carência de recursos. Graças às novas técnicas de tomografia, sabe-se mais: a negligência provoca danos neurológicos, impedindo o desenvolvimento cerebral da criança, com resquícios pelo resto da vida. É rigorosamente espantoso que esses dados científicos, divulgados há pelo menos dez anos, ainda não tenham entrado na agenda política brasileira. Prova disso é que o tema creche e pré-escola -vale dizer, a educação infantil- não faça parte das prioridades nacionais. Em um país obcecado pelo combate à miséria, os candidatos a prefeito deveriam exibir, em detalhes, quanto e como pretendem melhorar a educação infantil. O que, é óbvio, aqui é raridade. Temos uma combinação explosiva. As mães mais pobres continuam tendo muitos filhos, pela simples razão de que não existe planejamento familiar no país. Alguém já viu um presidente da República falar com seriedade sobre esse assunto? Por isso, não viu, muito menos, um programa sério para evitar gravidez indesejada. Além do excesso de crianças em famílias pobres, há escassez de matrículas na rede de educação infantil. Vamos aos números: apenas 10% das crianças na faixa de zero a três anos freqüentam creches. Não é só: o que existe para os mais pobres é, muitas vezes, de péssima qualidade, com profissionais despreparados. A creche teria o papel de contrabalançar a ausência de estímulos da família, na qual, com freqüência, pai e mãe trabalham. Isso quando existe pai. Educadores, psicólogos e assistentes sociais vêm tentando, quase desesperadamente, chamar a atenção dos políticos para a importância do investimento em educação infantil. Alertam para os danos provocados no aprendizado de uma criança relegada, sem ambientes estimulantes. Nenhum investimento (vamos repetir, nenhum) é mais relevante para combater a miséria -e, ao mesmo tempo, auxiliar no progresso escolar- do que o apoio à educação infantil. Se tivéssemos todas as crianças de zero e seis anos matriculadas, com bolsas-escola para as mães, seria alcançado o sonho da fome zero. É caro, evidentemente. E, claro, também demora. Mas depende tanto do dinheiro quanto da maneira como o Brasil se imagina no futuro. O problema é que somos vítimas da ignorância. E, como afirma o ditado: se você acha que educação sai caro, calcule quanto custa a ignorância. PS - Como estamos entrando na sucessão municipal, segue aqui um dos critérios para a escolha de um candidato sério. Ele precisa dizer quanto vai gastar para melhorar a educação infantil, informando o número de creches a serem reformadas ou construídas, além dos programas de formação profissional. Já existem no país várias experiências de baixo custo e alta eficiência, algumas delas reconhecidas internacionalmente. É o caso de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, onde se desenvolveram atitudes inovadoras, com resultados já medidos. Se o candidato não souber como pretende mudar a educação infantil, melhor mudar de candidato. E-mail - gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Com saudades de Kant, Elettra desdenha passarela Índice |
|