São Paulo, segunda, 1 de março de 1999 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice COTIDIANO IMAGINÁRIO Um sonho chamado Paula
MOACYR SCLIAR ² A garota, bonita, ainda que modestamente vestida, entrou no escritório quase no fim do expediente, quando ele já estava se preparando para ir embora. - O que é que você quer? - perguntou, não sem certa impaciência. - Eu queria... - Ela hesitou um instante, mas depois, fazendo um esforço, prosseguiu: - Eu queria que você me fizesse um favor. Eu queria que você escrevesse aí, no seu computador, uma carta. Respondendo a esse anúncio. Estendeu-lhe um recorte de jornal. Em letras garrafais, alguém, um europeu, anunciava: estava atrás de uma garota chamada Paula, que conhecera em 1994 e cujo telefone perdera. O rapaz leu aquilo, olhou para a garota, incrédulo: - Você é a moça que ele menciona aqui? - Sou - disse ela, mas sem muita convicção. - Mas espere um pouco: a moça do anúncio deve ter 23 anos. Você não tem isso. Você tem no máximo 18 ou 19. Ela não respondeu. - E você não estava no Terraço Itália promovendo uma marca de uísque. Aliás, você decerto nem sabe onde fica o Terraço Itália. A jovem, olhos baixos, continuava em silêncio. - Como é o seu nome? - perguntou ele, por fim. - Paulina. - Ela sorriu, tímida. - É um pouco parecido com Paula, não é? - É - concedeu ele. - Bem - suspirou ela - acho que não adianta mandar a carta. De qualquer maneira, agradeço a sua atenção. Guardou o anúncio na bolsa, despediu-se e saiu. Ele ficou ali, quieto. Depois de pensar um pouco, deu-se conta de que tinha cometido dois erros. Primeiro: deveria ter escrito a carta para ela - afinal, sonhar não é proibido. Segundo: deveria ter pedido o número do telefone dela. Afinal, não é só no Terraço Itália que se descobre o amor. ² ² O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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