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LETRAS JURÍDICAS
Do relatório ao resultado: um oceano
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Os números do relatório da
CPI dedicada originalmente
aos Correios são expressivos, das
milhares de páginas de texto e documentos aos mais de cem acusados. É o tempo do espanto. Um
oceano nos separa, contudo, do
resultado concreto, o das absolvições e o das punições. Os dois momentos do mar imenso entre relatório e resultado estão no julgamento final, cuja tendência é pessimista, a contar de exemplos recentes. Não deveria ser.
Não deveria ser pela natureza
mesma das comissões parlamentares de inquérito, cujo nome é
raramente objeto de meditação
até pelos operários do direito.
"Comissão", além do significado
mercantil (depreciativo, no caso
do Parlamento), do dinheiro pago em remuneração de serviço, é
também o do grupamento encarregado de realizar tarefa de interesse comum. Interesse comum?
Não. De interesses conflituosos
pela própria natureza política de
seu trabalho, pois o vocábulo
"parlamentares" as afirma integradas por componentes de uma
das casas do Congresso ou mistas,
funcionando segundo seus regimentos internos.
O último termo de tais comissões nem sempre é bem avaliado.
"Inquérito" define a função de,
com "poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais" (Constituição, artigo 58,
parágrafo 3º), apurar "fato determinado e por prazo certo". O leitor já sabe que nem a primeira
condição (fato determinado) nem
a segunda (prazo certo) são cumpridas. Não é um mal em si mesmo nem tira autoridade às comissões. Pode haver fatos surgidos no
curso das investigações, a serem
levantados com utilidade para a
cidadania. Inevitavelmente, geram a impressão de que parte da
quebra da regra constitucional,
sobretudo na época das comissões
televisivas, se deve ao aproveitamento da propaganda gratuita
para seus integrantes. Alguns até
fazem teatro, sem qualquer cerimônia.
"As comissões são úteis ou necessárias?", perguntará o leitor.
Sem a menor dúvida e vigorosamente, respondo sim. Há abusos.
São lamentáveis, mas inerentes à
vida parlamentar, no Brasil e em
qualquer país onde haja comissões parlamentares. Se os legisladores devem ser a expressão média de seu povo, fica manifesto
que os parlamentos sejam compostos por homens e mulheres de
bem, dedicados e honestos, mas
também por pilantras, patifes, cachaceiros, delinqüentes e assim
por diante. Não se pense que a
House of Representatives, a Câmara dos Deputados dos Estados
Unidos, e a House of Commons,
dos deputados do Reino Unido,
sejam livres de maus cidadãos.
Seria ideal que o povo escolhesse
melhor seus representantes, dizem as elites, mas sem razão. O
povo vota sob influência do poder
econômico, após seleção dos favoritos de chefes partidários, para
exclusão dos que assumam linha
independente da adotada pelas
lideranças e assim por diante.
Voltando à CPI dos Correios,
cabe esclarecer por que há um
oceano entre o relatório e o resultado. "Inquérito" é trabalho de
apuração. Se bem feito, propicia
bom material aos julgadores. Se
malfeito, facilita a "pizza", essa
maravilhosa invenção atribuída
aos italianos em geral, mas que
vem do sul da Itália. "Pizza"
transformada em cambalacho e
tapeação? Não necessariamente.
Muitas vezes o defeito da distância entre a apuração e o julgamento está naquela, e não neste,
principalmente se for judicial. O
mal do julgamento político está
em que não considera seu efeito
paralelo do desprestígio para o
Parlamento como um todo. No
caso atual, porém, não se pode
negar que já houve resultados
apreciáveis. Para o relatório lido
nesta semana cabe esperar pela
travessia do oceano e torcer para
que chegue a bom porto.
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