São Paulo, sábado, 01 de abril de 2006

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LETRAS JURÍDICAS

Do relatório ao resultado: um oceano

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Os números do relatório da CPI dedicada originalmente aos Correios são expressivos, das milhares de páginas de texto e documentos aos mais de cem acusados. É o tempo do espanto. Um oceano nos separa, contudo, do resultado concreto, o das absolvições e o das punições. Os dois momentos do mar imenso entre relatório e resultado estão no julgamento final, cuja tendência é pessimista, a contar de exemplos recentes. Não deveria ser.
Não deveria ser pela natureza mesma das comissões parlamentares de inquérito, cujo nome é raramente objeto de meditação até pelos operários do direito. "Comissão", além do significado mercantil (depreciativo, no caso do Parlamento), do dinheiro pago em remuneração de serviço, é também o do grupamento encarregado de realizar tarefa de interesse comum. Interesse comum? Não. De interesses conflituosos pela própria natureza política de seu trabalho, pois o vocábulo "parlamentares" as afirma integradas por componentes de uma das casas do Congresso ou mistas, funcionando segundo seus regimentos internos.
O último termo de tais comissões nem sempre é bem avaliado. "Inquérito" define a função de, com "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais" (Constituição, artigo 58, parágrafo 3º), apurar "fato determinado e por prazo certo". O leitor já sabe que nem a primeira condição (fato determinado) nem a segunda (prazo certo) são cumpridas. Não é um mal em si mesmo nem tira autoridade às comissões. Pode haver fatos surgidos no curso das investigações, a serem levantados com utilidade para a cidadania. Inevitavelmente, geram a impressão de que parte da quebra da regra constitucional, sobretudo na época das comissões televisivas, se deve ao aproveitamento da propaganda gratuita para seus integrantes. Alguns até fazem teatro, sem qualquer cerimônia.
"As comissões são úteis ou necessárias?", perguntará o leitor. Sem a menor dúvida e vigorosamente, respondo sim. Há abusos. São lamentáveis, mas inerentes à vida parlamentar, no Brasil e em qualquer país onde haja comissões parlamentares. Se os legisladores devem ser a expressão média de seu povo, fica manifesto que os parlamentos sejam compostos por homens e mulheres de bem, dedicados e honestos, mas também por pilantras, patifes, cachaceiros, delinqüentes e assim por diante. Não se pense que a House of Representatives, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, e a House of Commons, dos deputados do Reino Unido, sejam livres de maus cidadãos. Seria ideal que o povo escolhesse melhor seus representantes, dizem as elites, mas sem razão. O povo vota sob influência do poder econômico, após seleção dos favoritos de chefes partidários, para exclusão dos que assumam linha independente da adotada pelas lideranças e assim por diante.
Voltando à CPI dos Correios, cabe esclarecer por que há um oceano entre o relatório e o resultado. "Inquérito" é trabalho de apuração. Se bem feito, propicia bom material aos julgadores. Se malfeito, facilita a "pizza", essa maravilhosa invenção atribuída aos italianos em geral, mas que vem do sul da Itália. "Pizza" transformada em cambalacho e tapeação? Não necessariamente. Muitas vezes o defeito da distância entre a apuração e o julgamento está naquela, e não neste, principalmente se for judicial. O mal do julgamento político está em que não considera seu efeito paralelo do desprestígio para o Parlamento como um todo. No caso atual, porém, não se pode negar que já houve resultados apreciáveis. Para o relatório lido nesta semana cabe esperar pela travessia do oceano e torcer para que chegue a bom porto.


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