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São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2003

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VIOLÊNCIA

Pela primeira vez, comércio na avenida Sapopemba, em um dos trechos mais movimentados da região, baixa as portas

Ameaça do tráfico fecha lojas na zona leste

Caio Guatelli/Folha Imagem
Lojas fechadas na avenida Sapopemba, na zona leste da capital paulista; ordem teria partido de traficantes


AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Dezenas de lojas e pequenos comércios, em pelo menos dez ruas do bairro Fazenda da Juta, em Sapopemba (zona leste), fecharam as portas ontem por determinação ou medo do tráfico.
Pela primeira vez, foram fechadas lojas na própria avenida Sapopempa, em um dos trechos mais movimentados da região. Pelo menos duas escolas, duas associações comunitárias e um posto de saúde ficaram fechados.
Até o final do dia, as 20 equipes do GOE (Grupo de Operações Especiais) e da 8º Seccional, além das seis equipes da Polícia Militar que operam no bairro, não tinham achado indícios das razões atribuídas ao "toque de recolher". A PM informou que não reconhecia a existência do toque de recolher. "A pessoa está lá para dar segurança, mas não pode obrigar o comércio a abrir", informou a assessoria.
Moradores e comerciantes que pediam para não ser identificados diziam que a ação se devia à morte, na madrugada, do traficante Pompilho, ou Pop. Mas nem moradores nem a polícia sabiam dizer quem era Pop, quem o matou e onde estaria o corpo.
Por volta das 8h, rapazes em moto teriam passado pelas lojas determinando o fechamento. Uma funcionária da escola municipal da Juta A 9 teria recebido uma ordem de fechar pelo telefone, mas as aulas prosseguiram.
Funcionários da Associação União da Juta disseram que um homem de moto, armado, determinou o fechamento da padaria da instituição, mas permitiu que permanecesse aberta até que os pães prontos fossem vendidos.
A associação, que oferece atividades para crianças e adolescentes, permaneceu aberta, mas menos de dez crianças apareceram."Se fechamos as portas, o tráfico se sente mais fortalecido", disse uma funcionária que pediu para não ser identificada. "Nós trabalhamos com os filhos deles e vivemos entre eles. Nós e nossas crianças corremos riscos."
Perueiros que fazem linhas no bairro circulavam com uma cruz negra na frente do veículo. "É luto. Ele era gente boa", disse um deles à Folha. Outros abordados pela polícia alegavam que estranhos colaram a cruz negra sem que eles soubessem. "Não sei quem foi, mas se retiro a cruz, acabo correndo risco", disse Silvio Aranha, que teve sua perua cercada por dois carros do GOE.
Mais de 260 mil pessoas moram no que era antes uma fazenda que cultivava juta. A Juta B, mais nova, foi ocupada entre 89 e 91 por grupos liderados pela União dos Movimentos de Moradia que passaram a construir em mutirão, até que o governo do Estado levantou ali dezenas de conjuntos habitacionais. Muitos foram e continuam ocupados. De qualquer lugar, se avista a imensa chama da Petroquímica de Santo André, que à noite ilumina a região.
Na parte mais baixa do bairro, junto da favela, a polícia não entra à noite. "Se entrar, leva tiro", diz um investigador do 69º DP, que também não quis se identificar. "Veja os buracos", disse, apontando para as marcas de bala nos conjuntos habitacionais.
O "desfile" de carros da polícia e das equipes da imprensa e o comércio e escolas fechados anteciparam o feriado no bairro.
Na avenida, o cabeleireiro Paulo Roberto tentou manter o salão aberto, mas desistiu à medida que os vizinhos foram fechando. "Ninguém me deu ordens, mas ninguém tem coragem de ficar sozinho." Ao lado, a dona de um bar tomava cerveja na calçada e só levantava a porta para fregueses conhecidos. Na avenida, o movimento parecia normal. "Eles andam tão assustados que só um boato basta para que fechem as portas", disse um investigador.


Colaborou ALESSANDRO SILVA, da Reportagem Local


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