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São Paulo, domingo, 01 de junho de 2003

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TRÂNSITO

Pesquisa do Ipea contabilizou gastos com ocorrências nas áreas urbanas; afastamento do trabalho representa 42,8%

Acidentes custam R$ 5,3 bilhões por ano

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Automóveis acidentados empilhados no pátio de uma seguradora, em São Paulo, destinado aos veículos que não têm conserto


AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

ROBERTO PELLIM
DA REDAÇÃO

Os custos totais dos acidentes de trânsito nas áreas urbanas do país somam R$ 5,3 bilhões por ano. Só o afastamento temporário ou definitivo do trabalho -a perda de produção- significa 42,8% desse total. Os custos com os veículos representam 28,8% e o atendimento médico-hospitalar e a reabilitação, 14,5%.
É a primeira vez que o país faz as contas dessa tragédia urbana. A pesquisa, coordenada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), só não contabilizou acidentes ocorridos nos trechos não-urbanos das rodovias -nem a dor de vítimas e parentes.
Todos os outros componentes foram calculados, do resgate da vítima aos congestionamentos.
A pesquisa não fez diagnósticos nem apresentou soluções. "A intenção era levantar os custos", diz Julia D'Andrea Greve, médica fisiatra do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas e coordenadora do levantamento de custos dentro do HC.
Já se sabia que no Brasil os acidentes de trânsito representavam um grave problema de saúde pública. Faltava calcular quanto o país está perdendo com isso. Enquanto nos países europeus e nos EUA a média é de duas mortes/ano por 10 mil veículos, no Brasil essa taxa é de 6,8 mortos.
Só nas 49 aglomerações urbanas tomadas como referência -onde estão 47% da população e 62% da frota do país-, os veículos acidentados chegam a 640 mil por ano. São 1,052 milhão de pessoas envolvidas direta ou indiretamente nesses acidentes, o que resulta em 16,8 milhões de dias de trabalho perdidos. "Para obter um retorno mais rápido, as políticas públicas poderiam se concentrar nesse conjunto de cidades", diz José Ribamar Góes, da coordenação executiva da pesquisa.
O vendedor Milton Pinto Arruda, 50, e seu filho Denis Arruda, 24, estão há quatro anos sem trabalhar. Na madrugada de 2 de setembro de 1999, numa avenida do Tatuapé, zona leste de São Paulo, uma camionete atravessou o semáforo e arrastou por 30 metros o Palio onde estavam Denis e quatro amigos. Um morreu no local, outro, um primo, no hospital, outros dois tiveram fraturas.
Denis sofreu traumatismo craniano, ainda não recuperou a fala, tem um lado do corpo parcialmente paralisado e precisa de ajuda para as fisioterapias que faz quatro vezes por semana. Ele trabalhava e estava prestando vestibular para economia. O pai teve de deixar o emprego para cuidar do filho. Só a mãe trabalha.
As contas ainda não foram fechadas para a família Arruda, que só conservou a casa onde mora. A fisioterapia é feita na AACD, com atendimento SUS. "Estamos passando necessidade", diz o pai. Quando se contabilizam as vidas perdidas dos dois colegas, o custo atinge alguns milhões de reais.

Recomendações
Da frieza dos números da pesquisa saíram cinco recomendações. Transformadas em políticas públicas, poderiam reduzir a gravidade e as dimensões da tragédia urbana do trânsito.
A primeira é a adoção de práticas que possam reduzir a gravidade dos acidentes. Além da dor, os acidentes com vítimas representam um custo 11 vezes maior do que um acidente sem vítima. Quando há mortes, o custo salta para 44 vezes mais. Para as aglomerações urbanas, os casos com vítimas representam apenas 14% do total dos acidentes de trânsito, mas seus custos atingem 69%.
A segunda recomendação trata dos motociclistas, cuja frota equivale a 10% do total, mas cujos custos correspondem a 19%. "O motoboy ganha R$ 2 por entrega, a empresa, R$ 8. É um exército de garotos em disparada. Quando se acidentam e não morrem, ocupam UTIs e consomem cuidados médicos que podem chegar a R$ 500 mil", diz Julia Greve.
O pedestre forma o contingente mais vulnerável no trânsito e necessita de maior proteção, diz outra recomendação da pesquisa. Entre a 0h e as 18h da quinta-feira, as ambulâncias vermelhas do Resgate recolheram 16 atropelados nas ruas de São Paulo.
Na manhã do último dia 21, a vendedora Andréa Mitiko Gishi, 27, desceu do ônibus no canteiro central da avenida Nove de Julho, esperou o sinal de pedestres abrir e avançou. "Só ouvi a freada", disse ela, imobilizada no pronto-socorro do Instituto de Ortopedia do HC. Gishi teve fratura exposta na perna direita, fratura no rosto e quebrou o tornozelo. O motorista que a atropelou, um estudante universitário ("disse que estava atrasado"), a visita no hospital.
As duas últimas recomendações dizem respeito à melhoria das informações dos acidentes de trânsito e ao aprimoramento do Cadastro Nacional de Veículos (Renavam). Pesquisadores constataram diferenças importantes entre os números do cadastro e os dos órgãos locais de trânsito. Como os registros são feitos por diferentes órgãos com diferentes critérios, o país não sabe exatamente quantos acidentes ocorrem nem quantas vítimas produzem.
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) fala em cerca de 20 mil mortos por ano no trânsito das cidades e das estradas. Os números reais, embora não-oficiais, estariam entre 35 mil e 50 mil mortos por ano.



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