São Paulo, segunda-feira, 01 de julho de 2002

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PESQUISA

Concorrência desleal de indústria pesqueira e desgaste provocado pela atividade seriam os principais motivos

Estresse chega até a pescadores artesanais

ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Os reflexos da crescente concorrência das companhias de pesca industrial e o desgaste provocado pela atividade estão tornando os pescadores artesanais da Amazônia mais propensos a problemas psiquiátricos e ao consumo de drogas como álcool e tabaco.
É o que aponta uma pesquisa recentemente realizada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) comparando os pescadores com pessoas que possuem outros tipos de atividade.
Durante seis meses, o psiquiatra Benedito Bezerra avaliou a saúde mental de 221 homens que sobrevivem da pesca e de outros 230 trabalhadores da cidade de Vigia, a 77 km de Belém (PA).
Os resultados estão em sua tese de doutorado, "A Saúde Mental no Nordeste da Amazônia: Estudo de Pescadores Artesanais".
Pelo levantamento, 46,6% dos pescadores apresentaram uso abusivo ou dependência de bebidas alcoólicas e cigarro, contra um índice bem inferior -de apenas 16,5%- dos demais membros da comunidade.

Esquizofrenia
Os distúrbios psiquiátricos -como estresse pós-traumático, somatização, distimia (caracterizada por uma depressão leve e crônica)- somam 28,6% entre os que vivem da pesca e 3,9% entre os demais.
Um dos índices mais alarmantes é o de esquizofrenia, que, embora tenha índice nulo entre a população local, chega a atingir 3,2% de todos os pescadores. Uma das hipóteses é a de que os portadores de esquizofrenia se adaptem melhor a atividades que não exijam contato interpessoal.
"Essa profissão gera muita ansiedade, estresse e esgotamento. Os homens sofrem de solidão, pois passam muito tempo longe da família e perdem o contato com as outras pessoas. Além disso, temem os riscos da natureza e, em um processo mais recente, a concorrência desleal dos pesqueiros industriais", justifica o psiquiatra responsável pelo estudo.

Por R$ 500
De acordo com Bezerra, esse é o primeiro estudo epidemiológico desenvolvido com pescadores. "Antes só existiam análises antropológicas e sociológicas. No dia-a-dia do atendimento ambulatorial, fui observando a prevalência de psicoses e uso de drogas nessa comunidade."
A pesca aparece como principal fonte de renda para 38% dos habitantes de Vigia. De 37 mil moradores, 14 mil sobrevivem graças à atividade. Os pescadores chegam a passar até 30 dias em alto-mar, em embarcações precárias e sem comunicação em terra. Tudo isso para, no final do mês, receber algo em torno de R$ 500.
"A vida de pescador é difícil, diferentemente do que a maioria das pessoas pensa. Quando chego à cidade, tomo umas cervejinhas para esfriar a cabeça", afirma o pescador Geraldo Couto.


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