|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PASQUALE CIPRO NETO
Para que servem as aspas?
Não raro, leitores escrevem a mim e a outros colunistas para perguntar por que
pensamos o que, na verdade, não
pensamos. Por distração ou desconhecimento, esses leitores atribuem aos colunistas o que escrevemos entre aspas para indicar
que se trata de transcrição de texto ou pronunciamento de outrem.
Em muitos casos, o trecho posto
entre aspas é precedido (i)mediatamente de um verbo "dicendi"
(ou declarativo), como "afirmar",
"dizer" etc., com o qual se "avisa"
o leitor de que o trecho seguinte
conterá a transcrição do pensamento de outrem. Às vezes, tudo
isso resulta inútil. O leitor sai por
aí dizendo que Cony, Rossi, Dimenstein, eu e sabe mais quem
pensamos ou afirmamos o que
não pensamos nem afirmamos.
Um dos valores das aspas é o
que acabamos de ver, isto é, o de
abrir e fechar uma citação. Pois
bem, na última segunda-feira, o
caderno Esporte da Folha trouxe
o seguinte título: "Verde carimba
os amarelos". Para quem não
acompanha o futebol, lá vai a explicação dos fatos: revoltada com
as últimas derrotas do São Paulo
(sobretudo com a eliminação da
equipe na Taça Libertadores), a
torcida pó-de-arroz tachou (com
cantos, faixas, gritos etc.) de
"amarelo" (ou seja, de covarde) o
time do Morumbi.
Até aí, tudo bem. A torcida dá a
seus jogadores os atributos que
bem entender (desde que se atenda a normas mínimas de civilização, é claro). O centro da questão
não está no uso da palavra "amarelos", mas no fato de ela ter sido
publicada pelo jornal sem aspas.
O resultado disso é simples: o jornal "comprou" o atributo que os
torcedores deram aos craques.
É bom deixar claro que não me
interessa julgar o procedimento
dos redatores do referido título.
Meu papel é explicar aos leitores
que, sem as aspas, os redatores,
consciente ou inconscientemente,
encampam a tese do amarelecimento. O julgamento do procedimento dos redatores é seu, leitor.
Antes que me esqueça, os que
não acompanham o futebol talvez queiram saber que faz no título a palavra "verde". Trata-se de
metonímia relativa ao Palmeiras,
clube que tem o verde em suas cores. Não há problema algum, portanto, no emprego dessa palavra.
Convém lembrar que outra função das aspas é acentuar o valor
irônico ou figurado de certas expressões. Veja este exemplo, do
grande escritor Aníbal Machado,
citado pelo eminente professor
Adriano da Gama Kury em seu
excelente "Ortografia, Pontuação
e Crase": "A "parteira" se fechou
novamente no quarto de Helena". O próprio professor Kury explica que se tratava de uma "curiosa".
Por que, quando citei o trecho
de Aníbal Machado, pus a palavra "parteira" entre aspas simples? E por que, no fim do parágrafo anterior, a palavra "curiosa" foi posta entre aspas? Vamos
por partes. As aspas simples são
empregadas para isolar o que já
está entre aspas dentro da citação. No texto original de A. Machado, o termo "parteira" já está
entre aspas (porque foi empregado com sentido irônico).
As aspas que envolvem "curiosa" podem ser explicadas pelo fato de essa palavra ser típica da
linguagem informal. De fato, os
dicionários registram "curiosa"
(como pertencente à linguagem
familiar) com o sentido de "parteira sem habilitação legal".
Posso pedir-lhe uma coisinha,
caro leitor? Por favor, não ignore
as simpáticas aspas. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
Texto Anterior: Prefeitura desafoga trânsito até setembro Próximo Texto: Trânsito: Minianel facilita a circulação na área central de São Paulo Índice
|