São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

Para que servem as aspas?

Não raro, leitores escrevem a mim e a outros colunistas para perguntar por que pensamos o que, na verdade, não pensamos. Por distração ou desconhecimento, esses leitores atribuem aos colunistas o que escrevemos entre aspas para indicar que se trata de transcrição de texto ou pronunciamento de outrem.
Em muitos casos, o trecho posto entre aspas é precedido (i)mediatamente de um verbo "dicendi" (ou declarativo), como "afirmar", "dizer" etc., com o qual se "avisa" o leitor de que o trecho seguinte conterá a transcrição do pensamento de outrem. Às vezes, tudo isso resulta inútil. O leitor sai por aí dizendo que Cony, Rossi, Dimenstein, eu e sabe mais quem pensamos ou afirmamos o que não pensamos nem afirmamos.
Um dos valores das aspas é o que acabamos de ver, isto é, o de abrir e fechar uma citação. Pois bem, na última segunda-feira, o caderno Esporte da Folha trouxe o seguinte título: "Verde carimba os amarelos". Para quem não acompanha o futebol, lá vai a explicação dos fatos: revoltada com as últimas derrotas do São Paulo (sobretudo com a eliminação da equipe na Taça Libertadores), a torcida pó-de-arroz tachou (com cantos, faixas, gritos etc.) de "amarelo" (ou seja, de covarde) o time do Morumbi.
Até aí, tudo bem. A torcida dá a seus jogadores os atributos que bem entender (desde que se atenda a normas mínimas de civilização, é claro). O centro da questão não está no uso da palavra "amarelos", mas no fato de ela ter sido publicada pelo jornal sem aspas. O resultado disso é simples: o jornal "comprou" o atributo que os torcedores deram aos craques.
É bom deixar claro que não me interessa julgar o procedimento dos redatores do referido título. Meu papel é explicar aos leitores que, sem as aspas, os redatores, consciente ou inconscientemente, encampam a tese do amarelecimento. O julgamento do procedimento dos redatores é seu, leitor.
Antes que me esqueça, os que não acompanham o futebol talvez queiram saber que faz no título a palavra "verde". Trata-se de metonímia relativa ao Palmeiras, clube que tem o verde em suas cores. Não há problema algum, portanto, no emprego dessa palavra.
Convém lembrar que outra função das aspas é acentuar o valor irônico ou figurado de certas expressões. Veja este exemplo, do grande escritor Aníbal Machado, citado pelo eminente professor Adriano da Gama Kury em seu excelente "Ortografia, Pontuação e Crase": "A "parteira" se fechou novamente no quarto de Helena". O próprio professor Kury explica que se tratava de uma "curiosa".
Por que, quando citei o trecho de Aníbal Machado, pus a palavra "parteira" entre aspas simples? E por que, no fim do parágrafo anterior, a palavra "curiosa" foi posta entre aspas? Vamos por partes. As aspas simples são empregadas para isolar o que já está entre aspas dentro da citação. No texto original de A. Machado, o termo "parteira" já está entre aspas (porque foi empregado com sentido irônico).
As aspas que envolvem "curiosa" podem ser explicadas pelo fato de essa palavra ser típica da linguagem informal. De fato, os dicionários registram "curiosa" (como pertencente à linguagem familiar) com o sentido de "parteira sem habilitação legal".
Posso pedir-lhe uma coisinha, caro leitor? Por favor, não ignore as simpáticas aspas. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

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