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DANUZA LEÃO
Ainda bem que a paixão não dura
O ideal seria se apaixonar
e conservar a cabeça fria, ser capaz de raciocinar
e agir com inteligência
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VOCÊ CONHECE um homem
maravilhoso, naquela idade
ideal: nem garotão, nem do
lado de lá demais. Os cabelos razoavelmente grisalhos, o corpo um pouquinho encorpado, o que demonstra
ser alguém que não tem muito tempo a perder nas academias de ginástica -uma delícia, homem assim.
Com filhos já grandes -Deus seja
louvado-, certos riscos você já não
corre mais, como o de passar o sábado sozinha porque ele foi levar
as crianças ao teatro infantil. Mas
sendo praticamente adultos, eles
vão encontrar outras maneiras
de perturbar, pedindo um carro novo ou um apartamento de frente para o mar. Tudo bem, afinal, você não
tem nada a ver com o dinheiro dele
-ainda.
Esse homem tão charmoso tem
pelo menos uma ex-mulher; reze
para que os filhos sejam de uma só, e
atenção: poucas paixões resistem a
tantas conversas com a mãe -ou as
mães- das crianças. E agradeça a
Deus por eles serem já crescidos,
pois elas querem sempre falar da
saúde, do aparelho nos dentes, da
aula de natação, do rendimento escolar, do aumento de pensão, e nunca pelo telefone: ex-mulher a-do-ra
conversar pessoalmente.
Tendo você seu trabalho, portanto
dinheiro para comprar seu uísque,
seus discos, seu pacotinho de salmão, sua passagem quando viaja e
para dividir a conta no restaurante,
não tem nada a ver com isso, mas se
irrita. Ele não precisava contar, é
claro, mas ficou combinado que numa relação deve-se contar tudo.
Contar tudo, dos pensamentos
mais secretos aos desejos mais profundos; ser sincera a ponto de dizer
que está precisando ficar sozinha
para pensar e saber o que quer da vida. E por acaso é possível escutar da
pessoa com quem se vive que ela
está precisando de um tempo,
ou que precisa encontrar o seu espaço? Muito complicada, essa tal de
lealdade.
Houve um tempo em que os casais
se enganavam e nenhum dos dois
suspeitava do que estava acontecendo. Depois, com a liberdade sexual,
ficou combinado que tudo podia,
desde que fosse contado -símbolo
da mais total lealdade.
Hoje existem homens que dizem
"se quiser me trair, tudo bem, contanto que não me conte". É, os tempos mudaram.
Difícil, a vida a dois. Ou você se entrega totalmente e passa a viver na
dependência do outro, ou mantém
sua independência, o direito de sair
com os amigos ou companheiros de
trabalho uma vez por semana. Essa é
a maneira moderna de viver, mas isso é lá possível, entre duas pessoas
apaixonadas?
O ideal seria se apaixonar sem se
entregar, se apaixonar e conservar a
cabeça fria, ser capaz de raciocinar e
agir com inteligência em qualquer
circunstância. Mas o que tem isso a
ver com a paixão?
Paixão -a melhor coisa da vida;
mas quem consegue cumprir as funções mais banais, apaixonado, como
tomar banho, ir ao supermercado,
visitar uma tia, levar uma roupa no
tintureiro, sem pensar o tempo todo
nele, nele, nele?
Se todos os presidentes de todos
os países, os ministros, os cientistas,
os médicos, os advogados, os engenheiros, os arquitetos, os banqueiros (esses é menos provável), se, enfim, todas as pessoas do mundo se
apaixonassem perdidamente ao
mesmo tempo, o mundo ia parar,
conseqüentemente, acabar.
Isso só não acontece porque as
paixões não duram muito -e ainda
bem.
Ainda bem? Mas será mesmo?
danuza.leao@uol.com.br
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