São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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POLÍCIA FORA DA LEI

Após ter funções reduzidas, Gradi assume negociação com sequestrador sem informar delegado do caso

PM age em sequestro e atrapalha apuração

ALESSANDRO SILVA
GILMAR PENTEADO

DA REPORTAGEM LOCAL

O Gradi (Grupo de Repressão e Análise de Delitos de Intolerância) da Polícia Militar de São Paulo continua a atuar nos bastidores, apesar de ter, oficialmente, suas funções reduzidas a partir de 19 de abril passado. O setor interferiu em um caso de sequestro em São Bernardo do Campo (Grande SP) neste mês. A iniciativa atrapalhou a apuração feita por policiais civis especializados nesse crime.
Um PM do grupo chegou a entregar o dinheiro do resgate, pago pela família, aos sequestradores sem que o delegado responsável pelo inquérito soubesse.
Na semana passada, o comandante-geral da PM, coronel Alberto Silveira Rodrigues, afirmou à Folha que o Gradi retornou para sua função original -que é investigar crimes de preconceito e de racismo- desde 19 de abril, quando ele assumiu o cargo.
A atuação do Gradi em São Bernardo, onde o empresário N.A.F., 45, foi sequestrado por duas vezes -em abril e depois em junho-, mostrou o contrário. Segundo o delegado Gilmar Camargo Bessa, da Dise (Delegacia de Investigação sobre Entorpecentes), nas duas situações, dois PMs se apresentaram na delegacia afirmando terem sido determinados pelo tenente H. para "promover investigações do caso".
O tenente H. também está envolvido na infiltração de dois presos em uma suposta quadrilha do PCC (Primeiro Comando da Capital). Os detentos fugiram com carro descaracterizado da PM no meio da operação, em 30 de março. Um deles afirma ter sido torturado pelos policiais.
Em abril deste ano, o envolvimento do Gradi foi registrado no próprio boletim de ocorrência do sequestro do empresário. Mas os PMs não chegaram a atuar porque N.A.F. foi solto dias depois, pela Polícia Civil.
No segundo sequestro, no dia 17 de junho, quando o Gradi já teria sofrido a restrição oficial, os PMs puderam agir. Em 23 de julho, homens do serviço de inteligência da PM participaram da negociação e do pagamento dos R$ 98 mil.
O delegado Bessa, que fez curso nos EUA e na Divisão Anti-Sequestro para atuar nesse tipo de crime, foi deixado de fora da negociação. "Só soube do pagamento do resgate no dia seguinte."
O empresário foi libertado anteontem, mas falhas elementares feitas pela PM poderiam ter dado um desfecho diferente para o caso, segundo policiais civis especializados em sequestro.
Os PMs não pediram prova de vida, a negociação foi muito rápida -o acerto do resgate e o pagamento ocorreu em menos de três horas- e houve mudança do sequestrador que falava com a família no meio da negociação, o que poderia significar que outra quadrilha poderia estar se aproveitando do caso para cobrar o resgate sem ter o refém.
A demora na libertação do sequestrado -ele foi solto sete dias após o pagamento do resgate- alarmou familiares. Em outros telefonemas, sequestradores negaram ter recebido os R$ 98 mil, provavelmente com a intenção de tirar mais dinheiro da família.
O pai do empresário, que autorizou o pagamento, e o PM que entregou o resgate foram ouvidos no inquérito. O policial afirma que não conseguiu avisar o delegado sobre o resgate.
"Uma das coisas fundamentais que aprendi sobre sequestro é que a investigação tem de ser centralizada. A apuração paralela traz um grande risco", afirmou Bessa. Não há pistas sobre os sequestradores.



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