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PERIGO EM CASA
Descuido dos pais e embalagens inseguras são as principais causas de acidentes que envolvem crianças
Irmãos encontram remédio no chão
do Conselho Editorial
Às 10h30, na segunda-feira passada, Moisés dos Santos, 5, começou a gemer de dor. Ninguém em
sua casa deu-lhe atenção, apenas
não foi à escola.
Até que manchas vermelhas se
espalharam por seu corpo. Torcia
o pescoço, babava, revirava os
olhos. A boca se contraía. Lentamente, Moisés perdia os sentidos.
Para aumentar o desespero do
pai, Acir dos Santos, os sintomas
se repetiram, logo depois, nos
dois outros irmãos: Misael, gêmeo de Moisés, e Mário, 3. Ambos estavam na escola.
"Vi a morte nos olhos de meus
filhos", diz Acir dos Santos.
Quando chegaram ao PS do
Mandaqui (zona norte de SP),
Acir estava com três crianças que
não se moviam, não reagiam.
Diante daquele quadro, os médicos suspeitaram de envenenamento e pediram à família que revirasse a casa à procura de possíveis causas da intoxicação, para
que pudessem receitar o antídoto.
Remexendo no lixo, debaixo
das camas, nas prateleiras, acabaram por achar, no chão, uma cartela de um antipsicótico chamado
Halopedenol. Com a informação,
os médicos souberam como tratar os irmãos, então na UTI. Na
quinta, já estavam em casa.
O caso revela uma tendência
brasileira: as maiores vítimas de
intoxicação têm menos de 5 anos
e ingerem medicamentos acidentalmente. Muitas vezes por distração dos pais ou por falta de embalagem de segurança no remédio.
Numa coleta do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluiu, na semana passada, relatório mostrando que ano passado
foram registrados 71.840 casos de
intoxicação no Brasil.
A coordenadora do Sinitox,
Maria Élide Bortoletto, reconhece
que esse número é apenas uma
amostra. Reflete os dados de 32
Centros de Intoxicações de 17 Estados. A região Norte, por exemplo, possui apenas dois centros.
"Há um consenso de que os números reais são bem maiores", reconhece Élide, apostando que 300
mil casos por ano seria uma estimativa "realista".
Técnicos da Fiocruz e especialistas estimam que os casos cheguem a 500 mil anuais.
"Ninguém sabe ao certo. Só sabemos que é muito e o tempo todo", afirma o pediatra Anthony
Wong, responsável pelo Centro
de Assistência Toxicológica de
São Paulo.
Além de pais distraídos, indústria farmacêutica e produtos sanitários que, por economia, não investem em embalagens de segurança, as crianças são vítimas dos
produtos clandestinos de limpeza
-muitos, com soda cáustica.
Na periferia dos grandes centros, encontra-se facilmente esse
tipo de produto, vendido sem nehuma restrição, embalado em
frascos de refrigerante - e, para
piorar, colorido artificialmente.
"Apresentar algo colorido numa garrafa de refrigerante é quase
um convite para uma criança",
afirma Sérgio Graff, chefe do Centro de Controle de Intoxicações
do Hospital do Jabaquara, onde
são registrados 30 casos por dia.
Morte
Quando M.C., de 18 meses, chegou ao Hospital Universitário de
São Bernardo do Campos (Grande SP), há duas semanas, estava
com insuficiência respiratória.
Pouco tempo depois, vomitou
sangue. Não sobreviveu.
Tinha ingerido um limpa-forno, com soda cáustica. Juang
Horngjyh foi o médico que a atendeu. "Não conseguimos salvá-la,
ela ingeriu muito do produto."
"O mais impressionante é que o
produto (um líquido viscoso verde) tinha cheiro de maçã", afirma.
Paradas respiratórias ou cardíacas, sangramento, úlceras, diarréias e vômitos estão associados
aos casos de intoxicação. "Mais
expressivo do que a mortalidade é
a morbidade", diz Maria Élide.
Ou seja, a intoxicação gera
doenças com consequências na
saúde do indivíduo por muito
tempo, tornando-o frágil. "Nunca
se estudou com profundidade as
consequências de médio e longo
prazo", acrescenta.
Anthony Wong afirma que a
desinformação é generalizada.
"Pais não sabem como tratar filhos intoxicados. Induzem o vômito, o que traz risco de vida, pois
a criança pode se engasgar. Ou
dão líquido, que só provoca mais
intoxicação", informa Wong.
Não se sabe, por exemplo, que
uma variedade de plantas decorativas são extremamente tóxicas,
causando parada cardiorrespiratória e sangramentos intestinais.
(GILBERTO DIMENSTEIN)
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