São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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PERIGO EM CASA
Descuido dos pais e embalagens inseguras são as principais causas de acidentes que envolvem crianças
Irmãos encontram remédio no chão

do Conselho Editorial

Às 10h30, na segunda-feira passada, Moisés dos Santos, 5, começou a gemer de dor. Ninguém em sua casa deu-lhe atenção, apenas não foi à escola.
Até que manchas vermelhas se espalharam por seu corpo. Torcia o pescoço, babava, revirava os olhos. A boca se contraía. Lentamente, Moisés perdia os sentidos.
Para aumentar o desespero do pai, Acir dos Santos, os sintomas se repetiram, logo depois, nos dois outros irmãos: Misael, gêmeo de Moisés, e Mário, 3. Ambos estavam na escola.
"Vi a morte nos olhos de meus filhos", diz Acir dos Santos.
Quando chegaram ao PS do Mandaqui (zona norte de SP), Acir estava com três crianças que não se moviam, não reagiam.
Diante daquele quadro, os médicos suspeitaram de envenenamento e pediram à família que revirasse a casa à procura de possíveis causas da intoxicação, para que pudessem receitar o antídoto.
Remexendo no lixo, debaixo das camas, nas prateleiras, acabaram por achar, no chão, uma cartela de um antipsicótico chamado Halopedenol. Com a informação, os médicos souberam como tratar os irmãos, então na UTI. Na quinta, já estavam em casa.
O caso revela uma tendência brasileira: as maiores vítimas de intoxicação têm menos de 5 anos e ingerem medicamentos acidentalmente. Muitas vezes por distração dos pais ou por falta de embalagem de segurança no remédio.
Numa coleta do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) concluiu, na semana passada, relatório mostrando que ano passado foram registrados 71.840 casos de intoxicação no Brasil.
A coordenadora do Sinitox, Maria Élide Bortoletto, reconhece que esse número é apenas uma amostra. Reflete os dados de 32 Centros de Intoxicações de 17 Estados. A região Norte, por exemplo, possui apenas dois centros.
"Há um consenso de que os números reais são bem maiores", reconhece Élide, apostando que 300 mil casos por ano seria uma estimativa "realista".
Técnicos da Fiocruz e especialistas estimam que os casos cheguem a 500 mil anuais.
"Ninguém sabe ao certo. Só sabemos que é muito e o tempo todo", afirma o pediatra Anthony Wong, responsável pelo Centro de Assistência Toxicológica de São Paulo.
Além de pais distraídos, indústria farmacêutica e produtos sanitários que, por economia, não investem em embalagens de segurança, as crianças são vítimas dos produtos clandestinos de limpeza -muitos, com soda cáustica.
Na periferia dos grandes centros, encontra-se facilmente esse tipo de produto, vendido sem nehuma restrição, embalado em frascos de refrigerante - e, para piorar, colorido artificialmente.
"Apresentar algo colorido numa garrafa de refrigerante é quase um convite para uma criança", afirma Sérgio Graff, chefe do Centro de Controle de Intoxicações do Hospital do Jabaquara, onde são registrados 30 casos por dia.

Morte
Quando M.C., de 18 meses, chegou ao Hospital Universitário de São Bernardo do Campos (Grande SP), há duas semanas, estava com insuficiência respiratória. Pouco tempo depois, vomitou sangue. Não sobreviveu.
Tinha ingerido um limpa-forno, com soda cáustica. Juang Horngjyh foi o médico que a atendeu. "Não conseguimos salvá-la, ela ingeriu muito do produto."
"O mais impressionante é que o produto (um líquido viscoso verde) tinha cheiro de maçã", afirma.
Paradas respiratórias ou cardíacas, sangramento, úlceras, diarréias e vômitos estão associados aos casos de intoxicação. "Mais expressivo do que a mortalidade é a morbidade", diz Maria Élide.
Ou seja, a intoxicação gera doenças com consequências na saúde do indivíduo por muito tempo, tornando-o frágil. "Nunca se estudou com profundidade as consequências de médio e longo prazo", acrescenta.
Anthony Wong afirma que a desinformação é generalizada. "Pais não sabem como tratar filhos intoxicados. Induzem o vômito, o que traz risco de vida, pois a criança pode se engasgar. Ou dão líquido, que só provoca mais intoxicação", informa Wong.
Não se sabe, por exemplo, que uma variedade de plantas decorativas são extremamente tóxicas, causando parada cardiorrespiratória e sangramentos intestinais.
(GILBERTO DIMENSTEIN)


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