São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANUZA LEÃO

Triste sina

Mulher de candidato não pode fazer o que quer; tem sempre de perguntar ao marqueteiro se pode.
Se quiser almoçar num sábado com duas amigas enquanto o marido faz carreata, pode ir a um restaurante caríssimo ou tem de ir a um botequim para ficar mais perto do povo? E pode beber? E, se passar da conta e sair cambaleando, leva um pito dos assessores ou tem sempre um por perto para não deixar que isso aconteça?
E as roupas, pode usar o que quiser ou tem de fazer a linha sóbria e modesta para que os eleitores a considerem uma mulher correta? E, se um dia resolver usar um sapatinho de onça, será que vai pegar mal? E aquela bolsa de crocodilo que era da avó e ela guardou carinhosamente? Se usar, o Partido Verde vai sair da coligação porque o Ibama, aquelas coisas? Mas o jacaré já estava morto quando ela ganhou a bolsa, será que nem assim pode? Cheia de complicação, essa tal dessa política.
Quando estava no colégio -público, naturalmente-, ela tinha um amigo com fortíssimas tendências homossexuais. O tempo passou, ele se operou em Londres, hoje é travesti e os dois continuam amigos fiéis. Dá para sair e jantar num restaurante com ele/ ela, ou o marido vai perder votos por causa disso?
Ah, ser mulher de candidato não é fácil.
Não pode ser vaidosa, não pode ir à praia nem ao bingo, tem de arranjar assunto para falar com as mulheres dos vereadores, deputados, prefeitos e só Deus sabe o que mais. Tem de ser simpática mas não expansiva, delicada mas não íntima, e é melhor que não dê uma só opinião sobre nada, a não ser que isso tenha sido aprovado pelo comitê de campanha.
As coitadas não podem nem sair de casa, pois haverá sempre um fotógrafo na porta xeretando -e fotografando- aonde elas foram e com quem. E falar no celular, nem pensar. Logo aquela para quem até então grampo era só para usar no cabelo.
Tem de visitar creches, hospitais, botar crianças no colo e ter sempre 40 quilos de café em casa para quando o marido chega com a tropa de choque -talvez até uma comidinha. Não pode fazer cara feia; tem de estar de bom humor o tempo todo e tratar muito bem aquele de quem teve ódio durante anos porque era inimigo político do marido, que falava hor-ro-res dele; agora são aliados e amigos assim, ó. Que vida.
Mulher de candidato só pode abrir a boca para comer e, aliás, tem de comer tudo que lhe for oferecido -e elogiar. Se falar em dieta, está ferrada; e uma possível futura primeira-dama pode ser chegada a essas futilidades?
Mulher de candidato não pode sair para comprar um vestidinho novo; compras só no supermercado, e tem de passar as noites decorando os preços de tudo.
Já pensou se um repórter pergunta quanto custa um quilo de feijão e ela não sabe?
E tem mais: o futuro. Se o marido for eleito, vai ter de convidar as embaixatrizes dos países estrangeiros para tomar chá -e não há nada pior do que receber para um chá- e se curvar a tudo que o protocolo mandar. Enfim, curto e grosso, durante quatro longos anos, não vai mais ser dona do seu nariz.
Só tem uma coisa que mulher de candidato pode fazer -e talvez alguma faça: votar no candidato de outro partido.

E-mail -
danuza.leao@uol.com.br


Texto Anterior: Planejar a cidade é "mito", diz urbanista
Próximo Texto: Há 50 anos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.