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CRIME E CASTIGO
José Renato Nalini, que preside tribunal criminal, vê conservadorismo, mas rebate crítica a caráter genérico de decisões
Juiz reflete a sociedade, diz desembargador
DA REPORTAGEM LOCAL
Produto de uma sociedade
egoísta e de uma academia conservadora, os magistrados brasileiros tendem a usar suas sentenças como instrumento de uma
exigida faxina social.
É esse o diagnóstico que faz do
Poder Judiciário o presidente do
Tribunal de Alçada Criminal de
São Paulo, José Renato Nalini, 58,
defensor de alterações profundas
no processo de formação dos juízes. Leia trechos da entrevista que
ele concedeu à Folha.
(SÍLVIA CORRÊA)
Folha - Por que quem rouba vai,
em geral, para o regime fechado?
José Renato Nalini - Por que nós
trabalhamos com standards consolidados. O que o povo quer em
relação à criminalidade? Redução
da maioridade penal, pena de
morte. E o juiz é um reflexo dessa
sociedade. Ele se sente compelido
a dar uma resposta.
Essa sociedade é egoísta e hedonista. Não quer sofrimento, não
quer preocupação. Então, qual é a
solução? Tranca. Tranca e, se possível, mata. Por que ninguém se
comove com as dezenas de cadáveres no IML? Porque de certa
forma achamos que é uma faxina
social.
Folha - E as sentenças do Judiciário refletem esse raciocínio?
Nalini - Também, claro. O juiz
tem uma espécie de intuição messiânica. Ele pensa: "Faço Justiça.
Limpo a sociedade". Tem uma
coisa de quixotismo, de achar que
está colaborando para que as coisas não fiquem ainda piores.
Folha - O sr. concorda com isso?
Nalini - Não, mas sou parte de
uma minoria no Judiciário.
Folha - O sr. defende a revisão da
Lei de Crimes Hediondos?
Nalini - Acho que devem rever,
sim, e dar mais possibilidade para
o juiz liberar ou não algum benefício. Mas para isso devem investir na formação dele. O juiz criminal tem de saber dimensionar as
conseqüências de suas decisões.
Folha - Ele não sabe?
Nalini - Nem sempre. O cidadão
sai do bacharelado e entra numa
imersão de decorar. Decora tudo
e vira juiz. Quem é que me garante que ele é sensível e tem noções
de ética? Quem é que me garante
que ele se sente um agente transformador e não um burocrata
aplicador inflexível da lei?
Folha - A pesquisa do IDDD mostra que os juízes ignoram as circunstâncias específicas de cada crime ao fixar o regime de cumprimento da pena, adotando argumentos genéricos sobre a violência
nas grandes cidades para justificar
a escolha pelo sistema mais rígido.
Isso não é um artifício extralegal?
Nalini - Não. O tipo penal é subtrair coisa alheia com violência ou
grave ameaça. É a lei que dá a ele
essa generalidade. O processo judicial é assim, uma coisa mecânica e repetitiva. Você precisa pensar o seguinte: a criminalidade é
muito maior do que a que chega
ao Judiciário. Das milhares de
ocorrências da Polícia Civil, centenas viram inquéritos e só dezenas geram denúncia.
Então, quando algo passou por
esse filtro já é uma coisa comprovada, certo? Vai falar o que do sujeito que bate, ameaça, empurra e
subtrai uma coisa? Aí o juiz tende
a ver um videoteipe: mais um,
mais um, mais um. E quem já começa no crime com um roubo denota mesmo certa periculosidade.
Folha - O sr., então, acha que o
juiz pode fundamentar sua decisão
dizendo que o roubo, por si só, revela a periculosidade do sujeito?
Nalini - O juiz precisa fundamentar, mas isso não quer dizer
que ele deva ser criativo e original.
O que mais se pode dizer de um
roubo além de que é terrível?
O juiz tem um standard na
consciência dele. No fundo é isso.
Subtração com violência e grave
ameaça. O que mais de originalidade você vai encontrar nisso? Eu,
juiz, já tenho aquele estereótipo
de que ele é perigoso e, portanto,
esse sujeito não pode ficar no meu
convívio.
Folha - Mas alguns acusados disparam a arma, outros não. Alguns
têm referências, família, emprego,
filhos, outros não.
Nalini - Sei. Mas você presta
atenção à história sem muita dedicação, porque o fato já é muito
grave. É a primeira vez? Mas por
que começou com uma coisa tão
grave? É com essa cabeça que o
juiz pensa.
Você não pode esquecer que a
formação jurídica é a mais conservadora entre aquelas confiadas
à universidade. E o Judiciário recruta seus integrantes entre os
egressos dessa faculdade. Então,
não espere que o juiz seja criativo,
inovador e que venha para balançar as estruturas. O juiz é um
mantenedor do status quo.
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