|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
URBANIDADE
Feijoada com nostalgia
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Jasmin Pinho descobriu
numa sobreloja de 80 metros
quadrados de um velho e degradado prédio na rua Álvares de
Carvalho, no centro de São Paulo, uma feijoada feita de nostalgia, servida sempre aos sábados.
Prestes a sair da clandestinidade e a ir para as telas, essa nostalgia conta um detalhe quase
esquecido da história dos negros
em São Paulo: o Aristocrata Clube. Sentindo-se discriminados
nos salões da cidade, negros fundaram, no início da década de
60, um clube para as festas de casamento e de debutantes. "Pela
primeira vez começaram a fazer
festas coletivas de debutantes, os
homens vestidos de black-tie e as
mulheres de longo", diz Jasmin.
As imagens daqueles negros,
metidos em alinhados ternos, em
busca dos padrões tradicionais
da sociedade paulistana, branca, deram o mote para um documentário que será apresentado
neste mês e que foi viabilizado
graças ao concurso do projeto
Rumos, Cinema e Vídeo, do Instituto Cultural Itaú. As cenas de
altivez negra já estavam no imaginário de Jasmin, formada em
comunicação pela PUC do Rio.
Para sobreviver em Londres,
onde morou por um tempo, ela
fez um "bico" como vendedora
em uma livraria. Caiu-lhe nas
mãos, por um acaso, o livro de
um fotógrafo de Mali (Seydou
Keita) com as fotos posadas de
famílias. "Fiquei impressionada
com a beleza plástica que retratava um ar aristocrático." Isso
apenas se conectou com as fotos
de Pierre Verger, que documentou negros da África e da Bahia,
onde Jasmin nasceu e foi criada.
A negritude de Salvador se
completou, para Jasmin, no
bairro de Hackney, no leste de
Londres, um reduto de negros
das colônias britânicas ou de refugiados africanos. No passado,
decidida a filmar negros de um
ângulo novo, veio morar em São
Paulo e pediu a ajuda de sua prima, a mulata e produtora Aza
Pinho. "Não encontrava nada
daquela orgulhosa altivez, com
fortes laços africanos, que vi nas
fotos de Verger ou do fotógrafo
de Mali." Nada disso via na cultura hip hop nem nas escolas de
samba paulistanas.
O que a surpreendeu foram as
imagens das festas do Aristocrata Clube, que, no seu auge, reuniu a elite intelectual, econômica e cultural negra de São Paulo.
Havia até "country club". O clube, hoje abandonado, está cercado de favelas; as pomposas festas
também acabaram. Sobrou, naqueles 80 metros quadrados, feijoada e nostalgia.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: A vítima: "Foram eles que me deixaram assim" Próximo Texto: A cidade é sua: Moradora da zona oeste pede recapeamento de vias da região Índice
|