São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2004

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URBANIDADE

Feijoada com nostalgia

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Jasmin Pinho descobriu numa sobreloja de 80 metros quadrados de um velho e degradado prédio na rua Álvares de Carvalho, no centro de São Paulo, uma feijoada feita de nostalgia, servida sempre aos sábados.
Prestes a sair da clandestinidade e a ir para as telas, essa nostalgia conta um detalhe quase esquecido da história dos negros em São Paulo: o Aristocrata Clube. Sentindo-se discriminados nos salões da cidade, negros fundaram, no início da década de 60, um clube para as festas de casamento e de debutantes. "Pela primeira vez começaram a fazer festas coletivas de debutantes, os homens vestidos de black-tie e as mulheres de longo", diz Jasmin.
As imagens daqueles negros, metidos em alinhados ternos, em busca dos padrões tradicionais da sociedade paulistana, branca, deram o mote para um documentário que será apresentado neste mês e que foi viabilizado graças ao concurso do projeto Rumos, Cinema e Vídeo, do Instituto Cultural Itaú. As cenas de altivez negra já estavam no imaginário de Jasmin, formada em comunicação pela PUC do Rio.
Para sobreviver em Londres, onde morou por um tempo, ela fez um "bico" como vendedora em uma livraria. Caiu-lhe nas mãos, por um acaso, o livro de um fotógrafo de Mali (Seydou Keita) com as fotos posadas de famílias. "Fiquei impressionada com a beleza plástica que retratava um ar aristocrático." Isso apenas se conectou com as fotos de Pierre Verger, que documentou negros da África e da Bahia, onde Jasmin nasceu e foi criada.
A negritude de Salvador se completou, para Jasmin, no bairro de Hackney, no leste de Londres, um reduto de negros das colônias britânicas ou de refugiados africanos. No passado, decidida a filmar negros de um ângulo novo, veio morar em São Paulo e pediu a ajuda de sua prima, a mulata e produtora Aza Pinho. "Não encontrava nada daquela orgulhosa altivez, com fortes laços africanos, que vi nas fotos de Verger ou do fotógrafo de Mali." Nada disso via na cultura hip hop nem nas escolas de samba paulistanas.
O que a surpreendeu foram as imagens das festas do Aristocrata Clube, que, no seu auge, reuniu a elite intelectual, econômica e cultural negra de São Paulo. Havia até "country club". O clube, hoje abandonado, está cercado de favelas; as pomposas festas também acabaram. Sobrou, naqueles 80 metros quadrados, feijoada e nostalgia.

E-mail - gdimen@uol.com.br

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