São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2000

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LONGE DO PERIGO
Segundo a União dos Moradores, local está entre os menos violentos de São Paulo, com 11 homicídios em 99
Violência não assusta favela Paraisópolis

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, tem luz fraca e clandestina, água encanada em 50% de sua área, esgoto a céu aberto nos córregos da Creche e Antonico, apenas uma linha de ônibus, poucas ruas pavimentadas e todas sem calçada.
Ali, onde os vizinhos mais próximos são os moradores de apartamentos com pelo menos 150 m2 que ladeiam a avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi, 60 mil pessoas têm razões de sobra para invejar tudo o que acontece avenida acima, menos a segurança.
Por razões que variam na opinião de sociólogos, pesquisadores, assistentes sociais, agentes comunitários, moradores e até no 89º Distrito Policial, responsável pela área, as crianças de Paraisópolis com menos de 10 anos nunca tremeram de medo diante de um tiroteio. Elas brincam nas ruas e estão acostumadas a entrar e sair de casa sem se preocupar com a chave.
Na última quinta-feira, ficaram tão assustadas quanto qualquer criança que vive fora da favela: acabava de acontecer o quarto homicídio do ano em Paraisópolis, o segundo pelo mesmo motivo: alguém traiu alguém com alguém e o traído, paraibano "cabra macho", resolveu limpar a sua honra com sangue.
"Crimes desse tipo são raros em Paraisópolis", diz seu mais antigo morador, o pernambucano de Garanhuns Luiz Caboclo, 81, que põe sua cadeira de rodas na porta de casa há cinco décadas e, desde que se aposentou, aprecia o movimento o dia inteiro.
A favela, segundo dados da União dos Moradores, está no grupo dos bairros menos violentos da cidade, com 11 dos 24 homicídios cometidos na região do Morumbi em 1999.
Pelos dados do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no Município de São Paulo), Moema teve dois homicídios no mesmo período, e Alto de Pinheiros teve cinco. Grajaú, na zona sul, o bairro que registra a pior qualidade de vida na cidade, detém a marca de 355 homicídios em 1999.
O Pro-Aim não tem dados específicos sobre Paraisópolis. O médico sanitarista Marcos Drumond, integrante da equipe que coordena o programa, não acredita que o local seja uma exceção à violência nas favelas.
"Nas áreas mais organizadas, pode até ser", diz, ponderando que os dados da União de Moradores que tomam por base os 24 homicídios cometidos no Morumbi não correspondem à realidade de Paraisópolis porque a favela tem a maior parte de sua área de 255 mil m2 na Vila Andrade, onde ocorreram 70 homicídios em 1999.
"O crime em Paraisópolis certamente tem índices piores do que a média da cidade", diz o médico.
José Rolim, presidente da União dos Moradores, afirma que o médico está equivocado e que a favela onde vive há mais de duas décadas ocupa apenas uma área pequena na Vila Andrade.
No 89º Distrito Policial, a informação oficial é que a maior área de Paraisópolis faz parte da sua região de atuação, o Morumbi.
Assaltos e furtos na favela são raros: 30 a 40 por mês, nível considerado baixo quando comparado com o de Campo Limpo, que registra mil ocorrências por mês. Para a delegada Iraci Mendes Teixeira, do 89º DP, "Paraisópolis é um lugar sossegado porque as pessoas gostam dali, são unidas e não admitem malandros".
O sociólogo e pesquisador Luís Antônio de Souza, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, lembra que a favela tem uma localização privilegiada, é bastante organizada e, de certa forma, espelha seu comportamento no da vizinhança. "A auto-organização tende a conter a violência", diz Souza.
Além disso, não há em Paraisópolis grandes conflitos entre os moradores por espaço. E, o mais importante, a favela não está na rota dos traficantes. As drogas, para consumo, são pulverizadas.
Também não há tiroteios nem toque de recolher- ao contrário, as noites de sexta-feira costumam ser animadas com forró.
Outro aspecto que influencia: formada há 52 anos com a migração de famílias de Pernambuco, da Paraíba e de Minas Gerais, é uma favela familiar. Sua densidade por habitação é baixa (o que diminui a tensão dos moradores), em torno de cinco pessoas por casa de alvenaria ou barraco.
A experiência de 21 anos de favela do presidente da União dos Moradores o leva a concluir que o nível de violência é baixo porque as pessoas têm emprego -as mulheres como prestadoras de serviços domésticos e os homens, na construção civil.
O oftalmologista Cláudio Lotemberg, do hospital Albert Einstein, está sempre por lá, cuidando das crianças carentes, e afirma nunca ter sido assaltado. "Em compensação, já fui assaltado quatro ou cinco vezes nas chamadas regiões nobres da cidade."
Também a assistente social Margarete Negrão, que há 18 anos coordena a creche, passou medo com ladrão longe dali, na avenida Ibirapuera uma vez e, outra, na avenida Morumbi.
Tão decisivo quanto a ausência de traficantes é o apoio que Paraisópolis recebe da iniciativa privada. A União dos Moradores se cansou de confiar nas mirabolantes promessas não cumpridas de políticos e foi buscar parcerias com empresas, organizações não-governamentais e pessoas físicas.
Estão ali duas unidades de atendimento infantil do hospital Albert Einstein, cuidando de 8.000 crianças, a um custo de R$ 12 milhões por ano. Numa dessas unidades, o hospital tem uma escola de educação informal, que ensina nutrição para as mães, higiene para as crianças, teatro, prevenção de gravidez para adolescentes.
Foi o Einstein que, recentemente, diante de um surto de hepatite A constatado numa creche, vacinou 9.000 crianças contra a doença. O hospital já comprou terreno para construir o terceiro ambulatório e uma praça de esportes.
Os colégios Porto Seguro, Pio 12, Santo Américo, a Graded School (que construiu e montou a biblioteca), a Porto Seguro Seguradora e a fabricante italiana de computadores Arce também ajudam a favela.
É com esse patrocínio que são mantidas, por exemplo, a escola de computação, a creche e o curso de "boas maneiras" que aos sábados ensina aos jovens como arrumar emprego.
Ainda assim, apesar de todo o apoio, em Paraisópolis, falta quase tudo o que os direitos humanos asseguram às pessoas, e a favela está a séculos de distância de fazer jus a seu sugestivo nome.
Há 300 crianças em idade escolar fora da escola; a maioria das ruas é um barro só permeado de grandes buracos; o esgoto corre a céu aberto; quem vive no chamado "grotão", a periferia da favela, mal tem o que comer.
A violência doméstica é grande, e raras são as mulheres como Josefa, mãe de três filhos que, espancada pelo marido, foi à delegacia, registrou denúncia, despachou o valentão para o Paraná e trocou o cadeado da casa.
O paraíso está longe dali. Ainda assim, os moradores de Paraisópolis têm um "privilégio" a comemorar. Eles não têm medo de andar nas ruas de sua "cidade". O perigo, para eles, mora ao lado.


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