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LONGE DO PERIGO
Segundo a União dos Moradores, local está entre os menos violentos de São Paulo, com 11 homicídios em 99
Violência não assusta favela Paraisópolis
CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL
Paraisópolis, a segunda maior
favela de São Paulo, tem luz fraca
e clandestina, água encanada em
50% de sua área, esgoto a céu
aberto nos córregos da Creche e
Antonico, apenas uma linha de
ônibus, poucas ruas pavimentadas e todas sem calçada.
Ali, onde os vizinhos mais próximos são os moradores de apartamentos com pelo menos 150 m2
que ladeiam a avenida Giovanni
Gronchi, no Morumbi, 60 mil
pessoas têm razões de sobra para
invejar tudo o que acontece avenida acima, menos a segurança.
Por razões que variam na opinião de sociólogos, pesquisadores, assistentes sociais, agentes comunitários, moradores e até no
89º Distrito Policial, responsável
pela área, as crianças de Paraisópolis com menos de 10 anos nunca tremeram de medo diante de
um tiroteio. Elas brincam nas
ruas e estão acostumadas a entrar
e sair de casa sem se preocupar
com a chave.
Na última quinta-feira, ficaram
tão assustadas quanto qualquer
criança que vive fora da favela:
acabava de acontecer o quarto homicídio do ano em Paraisópolis, o
segundo pelo mesmo motivo: alguém traiu alguém com alguém e
o traído, paraibano "cabra macho", resolveu limpar a sua honra
com sangue.
"Crimes desse tipo são raros em
Paraisópolis", diz seu mais antigo
morador, o pernambucano de
Garanhuns Luiz Caboclo, 81, que
põe sua cadeira de rodas na porta
de casa há cinco décadas e, desde
que se aposentou, aprecia o movimento o dia inteiro.
A favela, segundo dados da
União dos Moradores, está no
grupo dos bairros menos violentos da cidade, com 11 dos 24 homicídios cometidos na região do
Morumbi em 1999.
Pelos dados do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade no
Município de São Paulo), Moema
teve dois homicídios no mesmo
período, e Alto de Pinheiros teve
cinco. Grajaú, na zona sul, o bairro que registra a pior qualidade de
vida na cidade, detém a marca de
355 homicídios em 1999.
O Pro-Aim não tem dados específicos sobre Paraisópolis. O médico sanitarista Marcos Drumond, integrante da equipe que
coordena o programa, não acredita que o local seja uma exceção à
violência nas favelas.
"Nas áreas mais organizadas,
pode até ser", diz, ponderando
que os dados da União de Moradores que tomam por base os 24
homicídios cometidos no Morumbi não correspondem à realidade de Paraisópolis porque a favela tem a maior parte de sua área
de 255 mil m2 na Vila Andrade,
onde ocorreram 70 homicídios
em 1999.
"O crime em Paraisópolis certamente tem índices piores do que a
média da cidade", diz o médico.
José Rolim, presidente da União
dos Moradores, afirma que o médico está equivocado e que a favela onde vive há mais de duas décadas ocupa apenas uma área pequena na Vila Andrade.
No 89º Distrito Policial, a informação oficial é que a maior área
de Paraisópolis faz parte da sua
região de atuação, o Morumbi.
Assaltos e furtos na favela são
raros: 30 a 40 por mês, nível considerado baixo quando comparado
com o de Campo Limpo, que registra mil ocorrências por mês.
Para a delegada Iraci Mendes Teixeira, do 89º DP, "Paraisópolis é
um lugar sossegado porque as
pessoas gostam dali, são unidas e
não admitem malandros".
O sociólogo e pesquisador Luís
Antônio de Souza, do Núcleo de
Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, lembra que a
favela tem uma localização privilegiada, é bastante organizada e,
de certa forma, espelha seu comportamento no da vizinhança. "A
auto-organização tende a conter a
violência", diz Souza.
Além disso, não há em Paraisópolis grandes conflitos entre os
moradores por espaço. E, o mais
importante, a favela não está na
rota dos traficantes. As drogas,
para consumo, são pulverizadas.
Também não há tiroteios nem
toque de recolher- ao contrário,
as noites de sexta-feira costumam
ser animadas com forró.
Outro aspecto que influencia:
formada há 52 anos com a migração de famílias de Pernambuco,
da Paraíba e de Minas Gerais, é
uma favela familiar. Sua densidade por habitação é baixa (o que diminui a tensão dos moradores),
em torno de cinco pessoas por casa de alvenaria ou barraco.
A experiência de 21 anos de favela do presidente da União dos
Moradores o leva a concluir que o
nível de violência é baixo porque
as pessoas têm emprego -as mulheres como prestadoras de serviços domésticos e os homens, na
construção civil.
O oftalmologista Cláudio Lotemberg, do hospital Albert Einstein, está sempre por lá, cuidando
das crianças carentes, e afirma
nunca ter sido assaltado. "Em
compensação, já fui assaltado
quatro ou cinco vezes nas chamadas regiões nobres da cidade."
Também a assistente social
Margarete Negrão, que há 18 anos
coordena a creche, passou medo
com ladrão longe dali, na avenida
Ibirapuera uma vez e, outra, na
avenida Morumbi.
Tão decisivo quanto a ausência
de traficantes é o apoio que Paraisópolis recebe da iniciativa privada. A União dos Moradores se
cansou de confiar nas mirabolantes promessas não cumpridas de
políticos e foi buscar parcerias
com empresas, organizações não-governamentais e pessoas físicas.
Estão ali duas unidades de atendimento infantil do hospital Albert Einstein, cuidando de 8.000
crianças, a um custo de R$ 12 milhões por ano. Numa dessas unidades, o hospital tem uma escola
de educação informal, que ensina
nutrição para as mães, higiene para as crianças, teatro, prevenção
de gravidez para adolescentes.
Foi o Einstein que, recentemente, diante de um surto de hepatite
A constatado numa creche, vacinou 9.000 crianças contra a doença. O hospital já comprou terreno
para construir o terceiro ambulatório e uma praça de esportes.
Os colégios Porto Seguro, Pio
12, Santo Américo, a Graded
School (que construiu e montou a
biblioteca), a Porto Seguro Seguradora e a fabricante italiana de
computadores Arce também ajudam a favela.
É com esse patrocínio que são
mantidas, por exemplo, a escola
de computação, a creche e o curso
de "boas maneiras" que aos sábados ensina aos jovens como arrumar emprego.
Ainda assim, apesar de todo o
apoio, em Paraisópolis, falta quase tudo o que os direitos humanos
asseguram às pessoas, e a favela
está a séculos de distância de fazer
jus a seu sugestivo nome.
Há 300 crianças em idade escolar fora da escola; a maioria das
ruas é um barro só permeado de
grandes buracos; o esgoto corre a
céu aberto; quem vive no chamado "grotão", a periferia da favela,
mal tem o que comer.
A violência doméstica é grande,
e raras são as mulheres como Josefa, mãe de três filhos que, espancada pelo marido, foi à delegacia,
registrou denúncia, despachou o
valentão para o Paraná e trocou o
cadeado da casa.
O paraíso está longe dali. Ainda
assim, os moradores de Paraisópolis têm um "privilégio" a comemorar. Eles não têm medo de andar nas ruas de sua "cidade". O
perigo, para eles, mora ao lado.
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