São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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SEGURANÇA

Onda de medo provocou o fechamento de lojas, escolas e bancos em 36 bairros da cidade; 19 suspeitos foram presos

Tráfico e boatos aterrorizam o Rio

SABRINA PETRY
TALITA FIGUEIREDO
MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

A seis dias da eleição, uma onda de ameaças e boatos atribuída a traficantes de drogas provocou o fechamento do comércio, de escolas e de bancos em pelo menos 36 bairros de todas as regiões do Rio -incluindo Ipanema e Botafogo, na zona sul, e o entorno de várias favelas da zona norte, como o complexo do Alemão.
O comércio também fechou em bairros de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Caxias e Belford Roxo, cidades na região metropolitana do Estado. No final da tarde, 19 acusados de espalhar boatos haviam sido presos.
Segundo a polícia, as ameaças ao comércio podem ter sido uma reação do tráfico à prisão de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, líder do Comando Vermelho, há 12 dias, e ao isolamento dos principais chefes da facção no Batalhão de Choque da PM desde que foram transferidos de Bangu 1.
Já a governadora Benedita da Silva (PT) insinuou que o movimento pode ter resultado de uma orquestração política para prejudicá-la na eleição de domingo.
À noite, a Polícia Federal anunciou a abertura de um inquérito para apurar "prática de crime contra a ordem política e social" e a "motivação do fechamento de estabelecimentos comerciais". A Polícia Civil também vai investigar o caso.
As ameaças começaram no início da manhã. Segundo comerciantes, a maioria delas foi feita por jovens em motos ou a pé, alguns encapuzados e armados. Diziam que a ordem partira de traficantes do Comando Vermelho.
Apesar do pânico, os únicos episódios de violência ocorreram foram da cidade -principalmente em São Gonçalo e na Baixada Fluminense, onde quatro ônibus foram incendiados.
Em Copacabana, um dos bairros mais afetados pela onda de terror, foram registradas ameaças por bilhetes entregues por adolescentes. Em Bonsucesso (zona norte), elas teriam vindo por chamadas telefônicas e por homens de bicicleta. No Rocha (zona norte), as ordens teriam sido dadas por homens num Opala preto.
No Caxambi (zona norte), um comerciante contou que traficantes estariam anotando o endereço de todas as lojas que abriam, para incendiá-las depois.
Em São Gonçalo, foi distribuído um panfleto em que o CV mandava fechar o comércio e ameaçava os que desafiassem a ordem com a inscrição "vai ter bala".
Como um efeito dominó, lojas, restaurantes, bancos e até serviços públicos como os Correios de pelo menos 36 bairros da cidade foram fechados. Funcionários foram dispensados. Em grande parte da zona norte, as ruas ficaram desertas como em feriados.
A Polícia Militar determinou que os batalhões das regiões afetadas colocassem todo o efetivo nas ruas. A presença da polícia, porém, não foi suficiente para encorajar os comerciantes a reabrir.
Em Ipanema, bairro próximo aos morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, comerciantes contaram ter sido ameaçados por dois jovens em uma moto, armados com metralhadoras.
O dono de um mercadinho no bairro contou que, no início da manhã, decidira fechar o estabelecimento, mesmo não tendo recebido nenhuma ordem. Mais tarde, tentou abrir a loja, mas foi ameaçado por um jovem.
"Ele [o jovem" disse: "Não adianta dar uma de corajoso, porque depois vai sobrar para você e para seus funcionários. Se você for esperto e quiser viver, é melhor fechar". Eu fechei. O que poderia fazer?"
Em grande parte das agências bancárias, a explicação dada aos clientes era que, por medida de segurança, não haveria expediente. Grandes empresas como a rede Mc Donald's e a companhia de telefone celular Oi também dispensaram os funcionários.
Na Gávea (zona sul), PMs que fazem a segurança particular do bairro contaram que receberam interceptações em seus radiotransmissores com ordens de traficantes para que todas as áreas dominadas pelo CV tivessem os estabelecimentos fechados.
O comandante do 19º Batalhão, coronel Dari Cony, atribuiu o fato ao "medo difuso". "A polícia está nas ruas, estamos garantindo que as pessoas não precisam deixar de trabalhar, mas não adianta."

Ansiedade
Colégios e universidades também fecharam. A maioria das escolas não sofreu ameaças diretas, mas suspendeu as aulas por precaução e por causa da ansiedade dos pais. Segundo o Sindicato das Escolas Particulares do Rio, 40% dos alunos não foram às aulas.
O principal campus da Universidade Estácio de Sá, no Rio Comprido, dispensou 5.000 alunos depois que quatro bombas de fabricação caseira explodiram na rua às 7h30. Outra bomba foi atirada dentro de um ônibus que passava pelo local. Ninguém ficou ferido, mas o comércio fechou nos arredores do campus.
Na Tijuca, os ônibus não circularam pela rua Conde de Bonfim, a mais movimentada do bairro, por cerca de quatro horas. Na Penha (zona norte), dois shoppings foram fechados.
A chefe de investigações da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes), Marina Maggessi, atribuiu o fechamento do comércio a uma retaliação do CV contra as condições dos principais chefes da facção, que estão isolados desde a rebelião de 11 de setembro.
O advogado do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, Lydio da Hora, negou, dizendo que o cliente está incomunicável.


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