São Paulo, terça-feira, 01 de outubro de 2002

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MARILENE FELINTO

Operário em país sem peito

Quer dizer que o trabalho aqui não vale nada. Quem determina quanto vale o suor e o sacrifício é o dólar. As pessoas ficam de bestas, ouvindo falar da "crise" econômica. Que crise? Criada por quem? O trabalhador continua no seu dia-a-dia, entrando todo dia em ônibus cheio, em trem lotado, num percurso de uma, duas horas até chegar à indústria, à firma, à escola, à casa do patrão. Ou sai para a roça, de sol a sol, remexendo a lavoura dura. Nada disso vale.
Só se fala na "falência", na "quebra" do país -essa espécie de Iraque do mundo das finanças em que o Brasil se transformou, perseguido pelo capital internacional como um aluno vagabundo pelo professor severo.
Quem imaginou que viveria numa republiqueta como esta, de onde saem toda semana executivozinhos constrangidos e constrangedores, sobraçando pastas e valises cheias de papéis e explicações inúteis rumo aos centros financeiros dos EUA? Vão mendigar por mais dinheiro, pedir um ponto aqui, um "meio-certo" ali, para evitar a bomba no final do ano. Ridículo. Um país grande como este, tão cheio de recursos, humilhado feito um colegial. Poderia liderar blocos continentais, fazer alianças importantes com os "emergentes" e os afogados de todo tipo para enfrentar a exploração dos super-ricos. Mas não. Não faz coisa nenhuma.
Especialmente na última década, o país entregou-se de joelhos à especulação financeira, aos ladrões que o mundo chama de "investidores", governado por um grupo de dândis vaidosos, que ainda vive de acreditar que futebol é dólar -e que só querem mesmo é ficar zanzando de Brasília a Paris, fingindo que aqui está tudo bem, por puro complexo de inferioridade.
Um relatório divulgado neste ano pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), resultado de longo estudo sobre as relações Brasil/Estados Unidos, revelou que os representantes brasileiros da área de relações internacionais não sabem fazer valer lá fora as posições do país. São acanhados ou despreparados, defendem apenas timidamente o Brasil em foros e negociações internacionais. Sofrem de complexo de inferioridade diante de estrangeiros, não sabem dizer não e fogem de conflitos em vez de enfrentá-los quando necessário.
Junte-se a isso o fato de que o desempenho dos alunos da elite brasileira no ensino fundamental está muito abaixo dos padrões internacionais de países mais ricos ou em desenvolvimento -segundo pesquisa recente de Creso Franco, da PUC-RJ-, e considere-se que os homens das relações internacionais do Brasil vêm da elite político-econômica, para se concluir que: estamos perdidos.
Quem sabe o operariado no poder não terá peito suficiente (e senso de realidade) para botar os pingos nos is, falar grosso e colocar de novo o Estado para funcionar sem servidão ao estrangeiro. Ao menos já se sabe que pobre paga contas melhor que rico. É só fazer um levantamento nos carnês das Casas Bahia.

E-mail - mfelinto@uol.com.br


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