São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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EFEITO COLATERAL

Uso continuado do antiinflamatório, um dos mais vendidos no mundo, eleva risco de problemas cardiovasculares

Medicamento Vioxx é recolhido em 80 países

DE NOVA YORK
DA REPORTAGEM LOCAL

A companhia farmacêutica americana Merck & Co. Inc. anunciou ontem a retirada do Vioxx das prateleiras dos mais de 80 países onde ele é vendido, inclusive as do Brasil. O medicamento, usado contra dor aguda e artrite, é um dos mais comercializados do mundo.
Pacientes que tomam o remédio, continuamente ou esporadicamente, devem suspender seu uso e procurar orientação médica, recomendou a fabricante.
A decisão foi tomada pela Merck após um estudo interno mostrar que o medicamento aumenta significativamente as chances de ocorrência de eventos cardiovasculares (como ataques cardíacos e derrames), em pacientes que o usam continuamente por mais de um ano e meio. O uso em período inferior a esse não apresentou riscos.
O Vioxx é usado para combater de cólicas menstruais e enxaqueca a dores e inflamações causados pela osteoartrite e pela artrite reumatóide. Também tem grande utilização na odontologia.
Segundo a Merck, desde que o remédio chegou às farmácias, em 1999, até o ano passado, ele foi receitado para 84 milhões de pessoas. Só em 2003, as vendas mundiais somaram US$ 2,5 bilhões.
No Brasil, o medicamento era o principal produto da Merck Sharp & Dohme, a subsidiária brasileira da empresa. Era também o líder nacional no mercado de antiinflamatórios, com participação de 12%. A receita da Merck no país com a venda do Vioxx em 2003 foi de US$ 30 milhões.
"Tomamos essa medida porque acreditamos ser a que melhor atende ao interesse dos pacientes", disse Raymond V. Gilmartin, presidente da Merck, ao fazer o anúncio na manhã de ontem. "Embora acreditemos que fosse possível continuar vendendo Vioxx com uma advertência na caixa para essas novas informações [sobre os riscos], diante da quantidade de terapias alternativas disponíveis e das dúvidas levantadas pelo novo estudo, concluímos que a suspensão voluntária das vendas era a medida mais responsável a ser tomada."
Para José Tadeu Alves, presidente da empresa no Brasil, o risco para os pacientes que usam o medicamento "é muito baixo", uma vez que cerca de 98% das pessoas usam o remédio por períodos inferiores a 18 meses.
"É uma decisão muito impactante para a empresa. Mas, se há alguma possibilidade de colocar em risco a saúde dos pacientes, nós precisamos retirar o produto", afirmou Tadeu Alves.
Apesar de o estudo indicar o aumento da probalidade de acidentes cardiovasculares ocorrerem com o uso continuado do Vioxx por mais de um ano e meio, a empresa ainda não sabe as causas desse aumento. Em razão disso, análises sobre os efeitos do medicamento continuarão a ser feitas.
Mesmo assim, Tadeu Alves disse que não há possibilidade de que o Vioxx retorne às prateleiras. Entre os medicamentos vendidos no Brasil sob prescrição médica, o Vioxx ocupava a terceira posição, segundo a empresa.
A Merck prometeu reembolsar quem tem Vioxx em casa, inclusive no Brasil. Ainda não foi definido como e quando isso será feito.
Segundo a empresa, as grandes redes farmacêuticas do Brasil já foram notificadas para que a retirada do remédio seja feita. As demais farmácias serão avisadas hoje, e anúncios serão publicados pela empresa sugerindo a usuários que procurem seus médicos.
Ontem, muitos pacientes ligaram para os consultórios dos médicos tentando obter informações sobre a decisão. "As pessoas estão perplexas e sem saber o que fazer", afirmou o reumatologista Ibsen Coimbra. Segundo ele, há no mercado outros antiinflamatórios da mesma classe do Vioxx.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), afirmou, em nota, que irá acompanhar os trabalhos de recolhimento do Vioxx nas farmácias do país.
A agência considerou a atitude da Merck "adeqüada" e disse que, até ontem, não havia sido notificada por profissionais da saúde de problemas cardiovasculares relacionados ao uso do medicamento. Coimbra, um dos pesquisadores que participou dos estudos do Vioxx no Brasil, também desconhece vítimas no país.
A decisão de ontem foi elogiada pela FDA (agência do governo americano que regula o comércio de alimentos e medicamentos no país). "A Merck fez a coisa certa ao divulgar voluntária e imediatamente suas conclusões. Embora o risco de um paciente sofrer um ataque cardíaco ou um derrame relacionado ao uso de Vioxx ser muito pequeno, o estudo sugere, acima de tudo, que os pacientes que usam o remédio cronicamente correm quase o dobro de riscos de sofrer um ataque cardíaco", afirmou Lester M. Crawford, responsável pela FDA.
Segundo Crawford, todas as drogas do tipo do Vioxx (antiinflamatório não-esteróide), quando consumidas continuamente, causam riscos, especialmente de sangramento gastrointestinal.
A Merck confirmou já ter sofrido "alguns processos" de pacientes que alegam ter tido problemas físicos em decorrência do uso de Vioxx, mas não revelou quantos. "E temos certeza de que esse número aumentará agora, mas estamos preparados para nos defender", disse à Folha Janet Skidmore, porta-voz da empresa.
(LUCIANA COELHO, VICTOR RAMOS, CLÁUDIA COLLUCCI)


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