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EFEITO COLATERAL
Uso continuado do antiinflamatório, um dos mais vendidos no mundo, eleva risco de problemas cardiovasculares
Medicamento Vioxx é recolhido em 80 países
DE NOVA YORK
DA REPORTAGEM LOCAL
A companhia farmacêutica
americana Merck & Co. Inc.
anunciou ontem a retirada do
Vioxx das prateleiras dos mais de
80 países onde ele é vendido, inclusive as do Brasil. O medicamento, usado contra dor aguda e
artrite, é um dos mais comercializados do mundo.
Pacientes que tomam o remédio, continuamente ou esporadicamente, devem suspender seu
uso e procurar orientação médica, recomendou a fabricante.
A decisão foi tomada pela
Merck após um estudo interno
mostrar que o medicamento aumenta significativamente as
chances de ocorrência de eventos
cardiovasculares (como ataques
cardíacos e derrames), em pacientes que o usam continuamente por mais de um ano e meio. O uso em período inferior a esse não apresentou riscos.
O Vioxx é usado para combater
de cólicas menstruais e enxaqueca a dores e inflamações causados
pela osteoartrite e pela artrite reumatóide. Também tem grande
utilização na odontologia.
Segundo a Merck, desde que o
remédio chegou às farmácias, em
1999, até o ano passado, ele foi receitado para 84 milhões de pessoas. Só em 2003, as vendas mundiais somaram US$ 2,5 bilhões.
No Brasil, o medicamento era o
principal produto da Merck
Sharp & Dohme, a subsidiária
brasileira da empresa. Era também o líder nacional no mercado
de antiinflamatórios, com participação de 12%. A receita da Merck
no país com a venda do Vioxx em
2003 foi de US$ 30 milhões.
"Tomamos essa medida porque
acreditamos ser a que melhor
atende ao interesse dos pacientes", disse Raymond V. Gilmartin,
presidente da Merck, ao fazer o
anúncio na manhã de ontem.
"Embora acreditemos que fosse
possível continuar vendendo
Vioxx com uma advertência na
caixa para essas novas informações [sobre os riscos], diante da
quantidade de terapias alternativas disponíveis e das dúvidas levantadas pelo novo estudo, concluímos que a suspensão voluntária das vendas era a medida mais
responsável a ser tomada."
Para José Tadeu Alves, presidente da empresa no Brasil, o risco para os pacientes que usam o
medicamento "é muito baixo",
uma vez que cerca de 98% das
pessoas usam o remédio por períodos inferiores a 18 meses.
"É uma decisão muito impactante para a empresa. Mas, se há
alguma possibilidade de colocar
em risco a saúde dos pacientes,
nós precisamos retirar o produto", afirmou Tadeu Alves.
Apesar de o estudo indicar o aumento da probalidade de acidentes cardiovasculares ocorrerem
com o uso continuado do Vioxx
por mais de um ano e meio, a empresa ainda não sabe as causas
desse aumento. Em razão disso,
análises sobre os efeitos do medicamento continuarão a ser feitas.
Mesmo assim, Tadeu Alves disse que não há possibilidade de
que o Vioxx retorne às prateleiras.
Entre os medicamentos vendidos
no Brasil sob prescrição médica, o
Vioxx ocupava a terceira posição,
segundo a empresa.
A Merck prometeu reembolsar
quem tem Vioxx em casa, inclusive no Brasil. Ainda não foi definido como e quando isso será feito.
Segundo a empresa, as grandes
redes farmacêuticas do Brasil já
foram notificadas para que a retirada do remédio seja feita. As demais farmácias serão avisadas hoje, e anúncios serão publicados
pela empresa sugerindo a usuários que procurem seus médicos.
Ontem, muitos pacientes ligaram para os consultórios dos médicos tentando obter informações
sobre a decisão. "As pessoas estão
perplexas e sem saber o que fazer", afirmou o reumatologista
Ibsen Coimbra. Segundo ele, há
no mercado outros antiinflamatórios da mesma classe do Vioxx.
A Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), afirmou, em
nota, que irá acompanhar os trabalhos de recolhimento do Vioxx
nas farmácias do país.
A agência considerou a atitude
da Merck "adeqüada" e disse que,
até ontem, não havia sido notificada por profissionais da saúde
de problemas cardiovasculares
relacionados ao uso do medicamento. Coimbra, um dos pesquisadores que participou dos estudos do Vioxx no Brasil, também
desconhece vítimas no país.
A decisão de ontem foi elogiada
pela FDA (agência do governo
americano que regula o comércio
de alimentos e medicamentos no
país). "A Merck fez a coisa certa
ao divulgar voluntária e imediatamente suas conclusões. Embora o
risco de um paciente sofrer um
ataque cardíaco ou um derrame
relacionado ao uso de Vioxx ser
muito pequeno, o estudo sugere,
acima de tudo, que os pacientes
que usam o remédio cronicamente correm quase o dobro de riscos
de sofrer um ataque cardíaco",
afirmou Lester M. Crawford, responsável pela FDA.
Segundo Crawford, todas as
drogas do tipo do Vioxx (antiinflamatório não-esteróide), quando consumidas continuamente,
causam riscos, especialmente de
sangramento gastrointestinal.
A Merck confirmou já ter sofrido "alguns processos" de pacientes que alegam ter tido problemas
físicos em decorrência do uso de
Vioxx, mas não revelou quantos.
"E temos certeza de que esse número aumentará agora, mas estamos preparados para nos defender", disse à Folha Janet Skidmore, porta-voz da empresa.
(LUCIANA COELHO, VICTOR RAMOS, CLÁUDIA COLLUCCI)
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