São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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Eleitores revelam seus "micos de eleição"

Estudante que pintava muros e músico que não vota desde 1989 viveram situações inusitadas em tempos eleitorais

EM 21 ANOS de redemocratização, os eleitores já passaram pelas mais diversas situações em nome dos partidos e de seus candidatos. Algumas histórias são curiosas; outras, verdadeiros "micos" vividos durante o frenesi eleitoral. Independentemente da vocação política, houve quem tenha se envolvido como militante, quem vestiu a camisa em caráter temporário e quem apenas se divertiu na época do pleito. A seguir, alguns casos compilados pela reportagem. (DA REVISTA DA FOLHA)

DEPOIMENTOS

Muro estratégico
Na eleição passada, para vereador, eu virava a madrugada pintando muro. Às 3h da manhã saíamos para pintar o nome do vereador no muro ao lado do Rodoanel, pois é um local de boa visibilidade. No outro dia de manhã, quando passávamos de carro para ver, haviam pintado o nome de outro vereador em cima. Na noite seguinte, passávamos cal e pintávamos novamente o nome do vereador com letras vermelhas e os números em preto. Até que um dia, quando fomos conferir se o nome ainda estava lá, surgiu o carro deles e nos mandou encostar. Foi o maior bate-boca. Esse muro era disputado porque ficava na principal avenida de Perus, último bairro da cidade de São Paulo, com 300 mil habitantes, decisivo para as eleições. Agora não é mais utilizado por propaganda, pois a prática foi proibida
DALMO VIANA, 25
estudante de direito e militante político

Abstêmio eleitoral
Não voto desde 1989, quando votei no Covas e ele não foi para o segundo turno. Naquele ano, disputaram Lula e Collor e todo mundo lembra o que deu. Não acredito em candidato carismático, e muito menos num pó de pirlim-pimpim que vá ressuscitar Tancredo para ele dar um jeito na nação. Não acredito nessa forma pessoal e salvadora como se faz política. Meu amigos intelectualizados ficavam indignados com a minha postura de não votar, mas a resposta a eles veio muito rápido. Nem saio de casa para justificar. Quando renovei meu passaporte, me disseram que eu estava com um problema sério, que tinha de pagar uma multa para poder renová-lo. Paguei R$ 8. Ou seja, nem eles acreditam que a coisa é séria"
MARCELO NOVA, 55
músico

Brincando de Maluf
Quando eu era pequeno, era fã do Maluf. Adorava vê-lo em debates. Pedia material da companha e fazia comitê no meu quarto, devia ter uns 8, 9 anos. De todo material, do que mais gostava eram os adesivos, que colava em todo lugar: desde a geladeira até os carros da vizinhança. Eu morava na rua Apiacás, em Perdizes, que é um ladeirão, e até hoje, quando vou lá, as senhoras falam: "Eu me lembro de você pregando adesivo no meu carro!" Mas me arrependo. Não tinha discernimento
GUTO FERREIRA, 25
tesoureiro geral do Estado de SP do PP

À caráter
Eu era casada com um gaúcho e nós nos fantasiávamos para votar no Brizola (PDT). Colocávamos bombachas, lenço vermelho no pescoço e lá ia eu de Gaudéria. Hoje, sempre que vou votar, lembro do brizolismo. Moro há 30 anos no Rio, mas nasci em Tatuí (interior de São Paulo) e cresci assistindo àquela política de palanque, não a essa de franquia. Prefiro a ficção, mas acho o dia da eleição um ato de cidadania, um momento cívico muito bonito
VERA HOLTZ, 54
atriz

Vira casaca
Em 1994, trabalhava durante o dia no comitê do Claudio Miragaia, não me lembro do partido dele, mas distribuía panfletos e fazia pesquisa nas ruas. À noite, trabalhava para o Robson Tuma (PFL), colocando cartazes nos postes na madrugada. Nunca fiz nada disso por ideologia, lembro que ganhava cerca de R$ 40 por saída, fiz um bom dinheiro nessa eleição. Faria tudo outra vez, independentemente do partido"
RENATA DOS REIS, 32
desempregada

Voto fandango
Nasci e cresci no ABC. Em 1989, fui a um show do Geraldo Azevedo no colo do meu pai, durante um comício do Lula. Mas apesar de todo esse histórico, meu único ato político foi na campanha do Salgadinho, um deputado lá de São Caetano. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos e a tática dele para atrair eleitores era distribuir salgadinhos, tipo cebolitos e fandangos, para a molecada. Eu confesso que fazia fila naquele comitê"
RAFAEL LEMOS, 23
ator do grupo Tusp

Pré-requisito
Quando conhecia alguém, logo depois do nome e antes mesmo de perguntar a profissão, eu queria saber em quem ele votava. Era pré-requisito para romance e até para amizade. Hoje, voto no PSTU, mas estou tão descrente que não levo mais essa minha regra tão a sério"
MARIA INÊS PEREIRA PINTO, 56
professora

Trocando as bolas
Em 1994, eu era cabo eleitoral do PL e fui encarregado de colocar faixas para a chegada do deputado Marcos Cintra em uma rua que havia sido asfaltada em Itaquera pelo vereador Dito Salim, que o apoiava naquele bairro. Preparamos tudo, só que quem chegou e saiu do carro na hora foi outro candidato a deputado, o Ricardo Izar, também apoiado pelo vereador, mas, na minha cabeça, em outro bairro. Foi um constrangimento geral. Um erro de estratégia, pois eu havia trocado os bairros"
RICARDO BIGHETTI, 41
administrador de empresas e militante político

Mea-culpa
Fiz uma propaganda política, recebi cachê e na época falei bem do PDS (Partido Democrático Social). Depois, passei anos me martirizando, sofrendo com a minha consciência pelo que vimos acontecer. Em 1987, o pessoal do grupo Ornitorrinco foi pedir ajuda ao PT porque impediram a encenação da peça "Teledeum". Para minha surpresa, eles disseram que não tinham nada com aquilo. Eu assisti pessoalmente um dos criadores do PT falar isso. Tempos depois, todos nós vimos o Lula aceitar o apoio do Sarney, beijar a mão do Jader Barbalho, o dólar na cueca, sem falar em mensaleiros e sanguessugas. Percebi o quanto fui aloprada de ficar com raiva de mim. Se na época fiquei com raiva de mim, hoje tenho raiva de ter ficado com raiva"
ROSA MARIA MURTINHO, 70
atriz

Tudo pela causa
Como não tínhamos dinheiro, fazíamos as campanhas com mais imaginação. Quando Brizola chamou Lula de sapo barbudo, a gente construiu uma grande boca barbuda de um sapo em uma estrutura de 2 m de altura, e fazíamos as pessoas passarem por dentro dela antes de ir votar. Era mais fácil panfletar desse jeito. Na mesma época, 1989, fomos vestidos de papai-noel com barbas pretas e chinelos Havaianas debaixo de um calor desgraçado, do Leblon até o Arpoador, distribuindo bótons e adesivos, a caminho de um comício do Lula que iria acontecer na orla da praia. Outro mico bem marcante foi em 1988 na campanha para vereador. Sabe aquele avião que passa nas praias levando faixa com anúncio? Então, como não tínhamos dinheiro para pagar um anúncio daqueles, me vesti de avião. Criamos uma estrutura de arame e a cobrimos com tecido, imitando o bumba-meu-boi. Eu me meti dentro daquilo e ficava andando pela praia, levando uma faixa com o nome do candidato. Não me arrependo, sempre fiz por militância. São histórias engraçadas, pitorescas. Nem dos tapas que eu levei eu me arrependo, acho que valeu a luta. Hoje não tenho mais coragem de fazer essas coisas por causa da idade"
ANDRÉ LUZ, 42
assessor político

Vergonha do marido
Fui casada com um petista e foi "trash". Porque petista é como corintiano: fanático. Ele foi me acompanhar, no dia da eleição, para depois irmos ao colégio onde ele votava. Saiu de casa com uma camiseta vermelha com o número do Lula e a encheu de bótons. Chegando lá, os seguranças o obrigaram a tirar a camisa, fiquei com aquele carão. Parecia um indigente. Aí ele queria agredir no sentido de ir comigo até a urna, sem camisa, em sinal de protesto. Mas falei: "Agora você vai para o carro". Tivemos que voltar para casa, foi um micão. Ainda tinha que agüentar as bandeiras do partido dentro de casa, com as quais ele sonhava fazer uma colcha"
RENATA CARCASCI, 45
publicitária

Por baixo dos panos
Encontrei uma vez com o Maluf em um programa de TV em que fui para dar uma entrevista. Ele foi muito simpático, elogiou o meu trabalho, foi um papo bem leve. Eu estava com um agasalho e, por baixo, usava uma camiseta do Covas. Em um certo momento da conversa, ele falou: "Eu sei muito bem em quem você vai votar!". Estava crente que era nele. Daí levantei o meu agasalho e mostrei a camiseta por baixo. "Olha em quem eu vou votar", respondi. Mas não foi uma coisa agressiva nem da minha parte nem da dele. Ele brincou: "Um dia você vai aprender a votar". Era 1989. No primeiro turno, votei no Mário Covas; no segundo, em Lula"
ANTÔNIO CALLONI, 44
ator

Um carnê, uma nova ideologia
Minha família é toda PMDB e PSDB, por isso ninguém entendia por que eu era tão fanática pelo PT. Passava boa parte do dia no comitê na rua dos Ingleses, na Bela Vista, em São Paulo. Na disputa de 1989, entre Lula e Collor, um tio gostava de colocar a música do Collor no telefone para eu ouvir. Fiquei tão possessa, que passei meses sem falar com ele. Nos almoços de domingo, minha avó chorava de tristeza, mas eu não dava o braço a torcer. A mudança foi quando arrumei um emprego numa universidade. Comprei um carro em prestações. Estava com o carnê na bolsa, quando ouvi o diretor falar que ali não trabalhariam petistas. Chorando, arranquei o imenso adesivo vermelho que tinha acabado de colar no possante. Percebi que não dava mais para continuar peitando o mundo.
Hoje, não arranjo mais encrenca e só falo de política se me perguntam. Também comecei a me questionar: será que o partido mudou ou fui eu que amadureci?"
ANA CÉLIA DE CARVALHO, 40
professora

Saco de dinheiro
Em 2004, em Santo André, um vereador meio maluco contratou um pessoal para fazer boca de urna e quem coordenava esse pessoal era eu. No dia da eleição, tive que ficar rodando a cidade toda para dar instrução para essas pessoas. No final do dia, o vereador jogou no meu colo um saco de dinheiro -imagina o mensalão, era algo parecido-, um saco de lixo cheio de notas de R$ 50 para pagar quem havia feito boca de urna. Disse: "Me segue". E saí num carro atrás dele pelas quebradas de Santo André. Foi a coisa mais medonha que eu fiz na vida. Você imagina: eu estava numa favela atrás de um louco pagando pessoas. Como era algo que não podia acontecer, tinha que ser em "cash", ele botou num saco preto. Detalhe: ele não ganhou a eleição. Foi uma loucura da época. Hoje, como militante, o máximo que faço é bater papo com o pessoal das faculdades para incentivá-los a participar da política"
WILSON CHAVES, 28
advogado

Nariz vermelho
Era 1998 e eu acreditava. Tinha 19 anos e o título de eleitor desde os 16. Olívio Dutra havia ganho a eleição para governador do Rio Grande do Sul contra Antônio Britto, um PMDBista sem queixo. Eu comemorava na concentração petista ostentando um distintíssimo bigode. Sim, um bigode. Durante a campanha do Olívio foram distribuídos bigodes (para quem não sabe, ele é um eterno bagual bigodudo) e, se bem me lembro, eu e minha amiga Mariana, que também acreditava, passamos o dia com nossos bigodes, muito orgulhosas. Hoje eu não acredito muito; além do que, não consegui transferir meu título para São Paulo. Mas uma coisa eu sei: este ano eu não vou de bigode, mas de nariz de palhaço"
CLARAH AVERBUCK, 27
escritora

Conta salgada
Acompanhei um candidato a vereador para fazer campanha em Araçatuba, em 2000, e, chegando lá, ele não tinha dinheiro para voltar para São Paulo. Nós, que éramos os militantes, tivemos que emprestar dinheiro até para ele comer"
ADEMIR MOTA, 22
assessor político

Fim de romance
Sempre acreditei no PT. Ficava bem brava com quem falava mal do partido sem argumento, chamava essas pessoas de ignorantes políticos. Hoje, não sou mais assim, tive que dar o braço a torcer. Uma vez estava na maior paquera com um moço, num barzinho da avenida Ibirapuera. Ele era lindo, parecia interessante, mas quando entrei no carro dele vi no banco de trás um cartaz do Maluf. Num salto me coloquei para fora do carro e nunca mais quis saber dele. Também tive um namorado que votava no João Mellão, porque o candidato era mais de centro. Mas não tinha jeito, eu dizia para ele: "por que você não vota nos abacaxis ou nas abobrinhas..." Claro, que o namoro não deu certo"
CRISTINA CAMPOS, 53
professora de línguas

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