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São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Guerra fiscal põe o sistema federativo à prova

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A chamada guerra fiscal, detonada pelos projetos de reforma tributária, mostra qualidades e defeitos do regime federativo nacional, acentuados durante os primeiros 15 anos de vigência da Constituição. A República Federativa do Brasil confirma a união indissolúvel de Estados teoricamente autônomos. A distância entre a teoria e a prática surge no referente à riqueza, à concentração populacional, às condições geoeconômicas geradoras de desigualdades sociais, a serem corrigidas, conforme consta do artigo 3º da Carta Magna.
Os poucos Estados mais ricos do centro-sul têm interesses inconfundíveis com os muitos mais pobres, alguns dos quais dependem de subsídios da União para manterem seus serviços. O imposto sobre circulação de mercadorias e serviços transformou a batalha travada nos últimos meses em briga de foice no escuro. Foi sempre forte a disputa entre blocos de governadores, com influência sobre o Senado.
O problema constitucional envolvido marca poderosamente o aniversário da Constituição. A Câmara dos Deputados e o Senado têm visões diferentes dos recursos tributários a serem repartidos entre os Estados. Poderão até remeter a aprovação da reforma tributária para o fim do ano que vem. Para que o leitor não envolvido profissionalmente com os problemas do Direito compreenda o embaraço, recordo que os deputados são representantes do povo. Cabe aos senadores representarem os Estados. Claro que todos são eleitos pelo povo, mas a Constituição atribui ao Senado a especial tarefa de representar cada unidade da Federação e o Distrito Federal.
E daí? Daí acontece que há três senadores por Estado e três pelo Distrito Federal, totalizando 81. De Minas Gerais e do Rio de Janeiro para o sul, há seis Estados, com direito a 18 senadores. Os seis têm mais da metade da população brasileira e algo como três quartas partes do Produto Interno Bruto, mas são representados por pouco mais de um quinto de todos os senadores. Se incluirmos nesse rol os nove senadores do Ceará, de Pernambuco e da Bahia, fugindo da referência ao domínio do centro-sul, teremos Estados com mais de 120 milhões de habitantes, acrescentando distância ao potencial econômico. A situação heterogênea da riqueza nacional crescerá e, pior, acentuará as insuficiências dos outros. Resulta, portanto, que o Senado é dominado quantitativamente pelas unidades da Federação menos habitadas e menos ricas.
A desproporção não é, porém, necessariamente injusta. O Congresso atua no sistema bicameral (Câmara e Senado), mas a situação não mudaria muito no sistema unicameral (Legislativo composto apenas por um órgão unitário de deliberação) porquanto os mecanismos de equilíbrio das regiões e dos Estados que as compõem devem existir. Se não fosse assim, os mais populosos e mais ricos teriam força excessiva, inconveniente para a sobrevivência da unidade nacional. Por algum fenômeno sociopolítico difícil de entender, a situação encontrada no Brasil é relativamente comum. O sul do Canadá é rico, o norte significa pouquíssimo. O Norte dos Estados Unidos desenvolveu-se antes que o Sul. A Itália é rica no Norte e pobre no Sul. A Austrália é mais rica no leste que no oeste. Os fatores da diferença são os mais variados, mas ela existe. A experiência externa também mostra que a Constituição, sob esse aspecto, deve continuar como está. Sem mudança.


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