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LETRAS JURÍDICAS
Guerra fiscal põe o sistema federativo à prova
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A chamada guerra fiscal,
detonada pelos projetos
de reforma tributária, mostra
qualidades e defeitos do regime
federativo nacional, acentuados
durante os primeiros 15 anos de
vigência da Constituição. A República Federativa do Brasil confirma a união indissolúvel de Estados teoricamente autônomos. A
distância entre a teoria e a prática surge no referente à riqueza, à
concentração populacional, às
condições geoeconômicas geradoras de desigualdades sociais, a serem corrigidas, conforme consta
do artigo 3º da Carta Magna.
Os poucos Estados mais ricos do
centro-sul têm interesses inconfundíveis com os muitos mais pobres, alguns dos quais dependem
de subsídios da União para manterem seus serviços. O imposto sobre circulação de mercadorias e
serviços transformou a batalha
travada nos últimos meses em
briga de foice no escuro. Foi sempre forte a disputa entre blocos de
governadores, com influência sobre o Senado.
O problema constitucional envolvido marca poderosamente o
aniversário da Constituição. A
Câmara dos Deputados e o Senado têm visões diferentes dos recursos tributários a serem repartidos
entre os Estados. Poderão até remeter a aprovação da reforma
tributária para o fim do ano que
vem. Para que o leitor não envolvido profissionalmente com os
problemas do Direito compreenda o embaraço, recordo que os deputados são representantes do povo. Cabe aos senadores representarem os Estados. Claro que todos
são eleitos pelo povo, mas a Constituição atribui ao Senado a especial tarefa de representar cada
unidade da Federação e o Distrito
Federal.
E daí? Daí acontece que há três
senadores por Estado e três pelo
Distrito Federal, totalizando 81.
De Minas Gerais e do Rio de Janeiro para o sul, há seis Estados,
com direito a 18 senadores. Os seis
têm mais da metade da população brasileira e algo como três
quartas partes do Produto Interno Bruto, mas são representados
por pouco mais de um quinto de
todos os senadores. Se incluirmos
nesse rol os nove senadores do
Ceará, de Pernambuco e da Bahia, fugindo da referência ao domínio do centro-sul, teremos Estados com mais de 120 milhões de
habitantes, acrescentando distância ao potencial econômico. A situação heterogênea da riqueza
nacional crescerá e, pior, acentuará as insuficiências dos outros.
Resulta, portanto, que o Senado é
dominado quantitativamente pelas unidades da Federação menos
habitadas e menos ricas.
A desproporção não é, porém,
necessariamente injusta. O Congresso atua no sistema bicameral
(Câmara e Senado), mas a situação não mudaria muito no sistema unicameral (Legislativo composto apenas por um órgão unitário de deliberação) porquanto os
mecanismos de equilíbrio das regiões e dos Estados que as compõem devem existir. Se não fosse
assim, os mais populosos e mais
ricos teriam força excessiva, inconveniente para a sobrevivência
da unidade nacional. Por algum
fenômeno sociopolítico difícil de
entender, a situação encontrada
no Brasil é relativamente comum.
O sul do Canadá é rico, o norte
significa pouquíssimo. O Norte
dos Estados Unidos desenvolveu-se antes que o Sul. A Itália é rica
no Norte e pobre no Sul. A Austrália é mais rica no leste que no
oeste. Os fatores da diferença são
os mais variados, mas ela existe.
A experiência externa também
mostra que a Constituição, sob esse aspecto, deve continuar como
está. Sem mudança.
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