São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

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OUTONO DO PATRIARCA2
Modelo de masculinidade mudou, mas educação se baseia em velhos preceitos, como "menino não chora'
Fôrma antiga ajuda
a gerar o homem novo

da Reportagem Local

Embora o modelo de masculinidade esteja em mutação na maioria das sociedades do mundo -já que o homem não é mais necessariamente aquele que põe dinheiro em casa-, os meninos continuam sendo criados à moda antiga.
Mesmo nas escolas mais caras de São Paulo, professoras teoricamente bem formadas continuam dizendo para crianças de 3 anos de idade que "menino não chora".
Esse tipo de dupla mensagem (esperar que o homem seja mais sensível, mas exigir ao mesmo tempo que ele seja "forte") é apontado como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento saudável dos meninos, pelo psicólogo americano William Pollack, da Escola de Medicina de Harvard.
Em um livro que tem feito sucesso nos últimos meses nos EUA ("Meninos Reais - Resgatando nossos Filhos dos Mitos da Infância", Random House, US$ 25) Pollack afirma que os meninos hoje estão em crise.
"Ser um menino passou a ser definido por uma negativa: não ser uma menina", diz ele. "E isso requer uma separação precoce do mundo aconchegante da mãe e de todas as coisas femininas e maternais -inclusive de sentimentos ternos, como vulnerabilidade, empatia e compaixão".
"Os meus problemas, eu prefiro passar sozinho. Às vezes, minha mãe vê que eu estou meio estranho, mas eu acho que não leva a nada falar sobre isso com ela", diz um aluno de 12 anos da Escola Móbile (zona sul de São Paulo, R$ 605 de mensalidade).
"Meu pai fica mais no mundo da lua. Acho que ele nem sabe que eu tenho boletim", acrescenta.
Para Pollack, "por trás de uma fachada de muita confiança, os meninos estão hoje escondendo sentimentos doloridos de solidão e isolamento".
A própria forma como são criados -separação precoce da mãe, exigência de independência e coragem- limita a sua capacidade de depois, como adultos, expressarem seus sentimentos -área de amplo domínio das mulheres.
"As meninas estão melhores, porque, se antes elas eram submetidas ao machismo, agora estão se sentindo mais fortes", afirma o psiquiatra de jovens Içami Tiba, que acaba de lançar o livro "O Executivo e sua Família - O sucesso dos Pais não Garante a Felicidade dos Filhos" (Ed. Gente, R$ 18).
Mas isso também pode provocar problemas. O primeiro é que o fato de as mulheres trabalharem diminui o tempo que têm disponível para os filhos.
Além disso, o modelo de "mulher maravilha" da mãe pode ser mal interpretado pelas meninas. Em estudo ainda não publicado, conduzido com crianças de 6 e 7 anos de famílias de baixa renda em São Paulo, as meninas apresentaram prevalência de transtornos relacionados à agressividade.
"A menina, tomando como modelo a mãe, já adota desde cedo essa postura agressiva. Vai lutar, vai se defender", afirma o psiquiatra Claudio Torres de Miranda, chefe da disciplina de psicologia médica e psicologia social da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenador da pesquisa.
Boa parte das brigas entre marido e mulher hoje também reflete esse tipo de confusão em torno dos papéis na família.
"Assim como a mulher ainda não conseguiu superar completamente essa história do marido rico, o homem ainda quer uma mulher afetiva, que cuida dele", diz Magdalena Ramos, autora do livro "E Agora, o que Fazer? A Difícil Arte de Criar os Filhos" (com Leonardo Posternak, Editora Best Seller, R$ 25).
Aí, quando o homem chega em casa, estressado por excesso de trabalho ou deprimido pelo desemprego, espera encontrar aconchego. Mas a mulher também trabalhou o dia todo e quer um homem forte, seguro, que divida com ela os afazeres domésticos.



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