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opinião
Reforma é tímida e confusa, diz professor da Unesp
SEBASTIÃO EXPEDITO IGNÁCIO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em princípio, sou favorável a
qualquer reforma ortográfica
que venha a facilitar o ensino e
a vida de quem escreve. Com
relação à presente, as simplificações propostas em quase nada facilitarão a alfabetização,
considerando que os maiores
problemas não foram levados
em conta, dada a sua complexidade.
Qualquer especialista sabe
que as maiores dificuldades na
aquisição de nosso sistema ortográfico residem na representação de alguns fonemas (unidades sonoras) como o que se
representa por "X" e por "CH"
(xale, chapéu, enxame, encher)
e o que se representa por "Z",
por "S" e por "X" (rezar, pesar,
examinar). Em contrapartida,
há os grafemas (letras) que representam vários sons: "S" representa "S" e "Z" (ensaboar,
casar) e assim por diante. Isso
sim complica a alfabetização.
Dessa forma, além de não
atacar os problemas fundamentais, a reforma foi, por um
lado, tímida, por outro, confusa.
A eliminação do trema e de alguns acentos talvez tenha sido a
medida mais saudável. A tentativa de simplificação no uso do
hífen gerou complicações, seja
por adotar critérios subjetivos
ou idiossincrásicos, seja por recorrer à tradição. Seria melhor
deixar como estava.
Outra questão a ser considerada é que a discussão deveria
envolver todos os interessados:
professores, principalmente alfabetizadores, representantes
da imprensa e das editoras e,
evidentemente, linguistas, que
dariam as coordenadas técnico-científicas para a sistematização final. Assim, os seus resultados seriam mais realistas.
Uma das principais justificativas da reforma e que se erigiu
numa espécie de "salvação da
língua portuguesa" é, no mínimo, falaciosa. Dizer que a medida permitirá maior intercâmbio sociocultural entre os países de língua portuguesa é extrapolar o seu alcance. Será que
haverá maior interação entre
esses países se passarmos a escrever "linguiça" sem trema?
O que promove maior integração entre as comunidades
que falam a mesma língua começa pela valorização dessa
língua como veículo oficial nos
eventos (científicos ou não) e
passa pela divulgação recíproca
de suas literaturas e pela veiculação de seus textos.
É preciso lembrar ainda que,
sendo o sistema ortográfico vigente no Brasil o modelo do
Acordo, são mínimas as alterações que nos atingem. Não se
pode ignorar que, a médio prazo, as simplificações propostas
redundarão em benefício para
o ensino e, mais provavelmente, para os processos de editoração, de edição de obras no sistema de intercâmbio entre os países irmãos. Mas sem o alcance
que se alardeia.
Finalmente, é preciso saber o
que se está entendendo por "reforma da língua". A língua, como veículo de interação social e
sistema aceito pela comunidade, não se reforma por decreto.
Sua evolução é natural e só obedece às leis que presidem os
acordos tácitos entre os falantes e os escritores. O que se poderia "reformar", além da ortografia, seriam os conceitos gramaticais. Também merecem
reforma os métodos de ensino.
Mas esse é um assunto para
muitas páginas.
SEBASTIÃO EXPEDITO IGNÁCIO
é professor de pós-graduação
do Departamento de Linguística da Unesp-Araraquara e
coautor do "Dicionário Unesp
do Português Contemporâneo"
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