São Paulo, sexta-feira, 02 de janeiro de 2009

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opinião

Reforma é tímida e confusa, diz professor da Unesp

SEBASTIÃO EXPEDITO IGNÁCIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em princípio, sou favorável a qualquer reforma ortográfica que venha a facilitar o ensino e a vida de quem escreve. Com relação à presente, as simplificações propostas em quase nada facilitarão a alfabetização, considerando que os maiores problemas não foram levados em conta, dada a sua complexidade.
Qualquer especialista sabe que as maiores dificuldades na aquisição de nosso sistema ortográfico residem na representação de alguns fonemas (unidades sonoras) como o que se representa por "X" e por "CH" (xale, chapéu, enxame, encher) e o que se representa por "Z", por "S" e por "X" (rezar, pesar, examinar). Em contrapartida, há os grafemas (letras) que representam vários sons: "S" representa "S" e "Z" (ensaboar, casar) e assim por diante. Isso sim complica a alfabetização.
Dessa forma, além de não atacar os problemas fundamentais, a reforma foi, por um lado, tímida, por outro, confusa. A eliminação do trema e de alguns acentos talvez tenha sido a medida mais saudável. A tentativa de simplificação no uso do hífen gerou complicações, seja por adotar critérios subjetivos ou idiossincrásicos, seja por recorrer à tradição. Seria melhor deixar como estava.
Outra questão a ser considerada é que a discussão deveria envolver todos os interessados: professores, principalmente alfabetizadores, representantes da imprensa e das editoras e, evidentemente, linguistas, que dariam as coordenadas técnico-científicas para a sistematização final. Assim, os seus resultados seriam mais realistas. Uma das principais justificativas da reforma e que se erigiu numa espécie de "salvação da língua portuguesa" é, no mínimo, falaciosa. Dizer que a medida permitirá maior intercâmbio sociocultural entre os países de língua portuguesa é extrapolar o seu alcance. Será que haverá maior interação entre esses países se passarmos a escrever "linguiça" sem trema?
O que promove maior integração entre as comunidades que falam a mesma língua começa pela valorização dessa língua como veículo oficial nos eventos (científicos ou não) e passa pela divulgação recíproca de suas literaturas e pela veiculação de seus textos. É preciso lembrar ainda que, sendo o sistema ortográfico vigente no Brasil o modelo do Acordo, são mínimas as alterações que nos atingem. Não se pode ignorar que, a médio prazo, as simplificações propostas redundarão em benefício para o ensino e, mais provavelmente, para os processos de editoração, de edição de obras no sistema de intercâmbio entre os países irmãos. Mas sem o alcance que se alardeia.
Finalmente, é preciso saber o que se está entendendo por "reforma da língua". A língua, como veículo de interação social e sistema aceito pela comunidade, não se reforma por decreto. Sua evolução é natural e só obedece às leis que presidem os acordos tácitos entre os falantes e os escritores. O que se poderia "reformar", além da ortografia, seriam os conceitos gramaticais. Também merecem reforma os métodos de ensino.
Mas esse é um assunto para muitas páginas.


SEBASTIÃO EXPEDITO IGNÁCIO
é professor de pós-graduação do Departamento de Linguística da Unesp-Araraquara e coautor do "Dicionário Unesp do Português Contemporâneo"



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