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WALTER CENEVIVA
Sossego no Carnaval
Se o direito da pessoa termina onde começa o direito da outra, o Carnaval vai além da linha divisória
O CARNAVAL É A FESTA brasileira por excelência e é coisa séria, no Brasil e no exterior.
Tanto que compositores clássicos
dos séculos 19 e 20 criaram peças
notáveis sobre essa festa, como Berlioz, Schumann, Saint Saëns, Dvorak
e Glazunov, entre outros, sem falar
nos brasileiros, dos quais o Carnaval
tem sido fonte perene de inspiração.
Sempre gostei do Carnaval, mas
me chamou a atenção o fato de raramente atentarmos para o contraste
com a perturbação das ruas e da vida
de milhões de pessoas não carnavalescas, violando o direito delas. Os
bailes, com os sistemas de ampliação de som, incomodam a quilômetros de distância.
O Carnaval, porém, é a verdadeira
festa do povo, na qual mesmo os
mais pobres têm oportunidade de se
divertir. Se o direito da pessoa termina onde começa o direito da outra, o Carnaval vai além da linha divisória. A ninguém ocorrerá, entretanto, proibir o Carnaval, que, sob
outras formas, existe em muitos outros países do mundo, sempre como
manifestação popular.
Parece impossível regular comportamentos ou limitar alguns excessos desses períodos, por meio de
disposições legais ou regulamentares, a não ser as relativas ao tráfego
ou ao uso de espaços públicos.
Assim, é claro que uma parte do
interesse coletivo é sacrificada, atingindo a saúde, o sossego e a segurança das pessoas, como é dramatizado
pelo número extraordinário de vítimas em acidentes nas vias urbanas e
nas estradas, sem distinguir carnavalescos e não-carnavalescos.
Ao lado desses aspectos mais lamentáveis, há os prosaicos, mas ainda assim causadores de incômodos,
como a sujeira das ruas, com o lixo
não recolhido, embaraçando a vida
dos demais cidadãos. São dados
acrescidos às tensões da população,
participe ou não da festa.
O número de eventos interferentes na ordem pública (tomada esta
como a organização da vida coletiva
nos centros urbanos) parece infindável. Vai além dos fatos da natureza
ou da estrutura administrativa, no
que não é defeito só do Carnaval.
Recentemente, motoqueiros paralisaram setores inteiros de São
Paulo em protesto coletivo. A obrigatoriedade de aviso prévio para essas manifestações não serve, por ser
desrespeitada muitas vezes. De um
modo ou de outro, transformam-se
em tormento para quem necessite
deslocar-se com pressa. Os veículos
de resgate e as ambulâncias, os equipamentos de bombeiros para salvamentos e incêndios, os carros e organismos policiais passam por dificuldades adicionais, que custam muito
a todos os pagadores de impostos.
No campo dos riscos sofridos, o
futebol tem proporcionado casos
reiterados nos quais a população em
geral é atingida, com sacrifícios pessoais e materiais, que o Estado não
impede. Nas prateleiras da farmácia
do direito não há remédio para esses
males. O direito é uma solução posta
à disposição das pessoas para viverem umas com as outras.
O natural rompimento do equilíbrio, em certos momentos, mostra o
que é a vida, especialmente em tempos de transformação. Tratar do
Carnaval nesta coluna teve a vantagem de mostrar que os elementos
jurídicos, nas ações de massa, devem
ser pensados de modo a assegurar
sua manutenção, mas com o menor
dano para quem não participe delas.
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