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MOACYR SCLIAR
O dia seguinte
Não queria saber o que tinha acontecido. Fez a mala, foi para o aeroporto e conseguiu um voo para aquele mesmo dia
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![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Além da tradicional dupla, cerveja e espetinho, um bar em Maceió (AL) oferecia no cardápio unidades da pílula do dia
seguinte, que só pode ser vendida com
prescrição. Cotidiano, 21 de janeiro de 2009
A OS 35 ANOS ela conseguiu finalmente realizar seu sonho: conhecer a bela capital de Alagoas, cidade da qual sua família era
originária, e que sempre estivera
presente em seus sonhos.
Foi sozinha. Sozinha sempre vivera, sozinha realizara as poucas
viagens que lhe permitiam seus
módicos ganhos de funcionária pública. Mas isso pouco lhe importava:
estava acostumada a viver sem
companhia e sabia perfeitamente
como fazê-lo.
Chegou, hospedou-se num modesto hotel e saiu imediatamente
para conhecer Maceió, que era
um deslumbramento: andou horas
pelas praias, olhando extasiada
aquele mar belíssimo e os banhistas
que ali se divertiam. À tardinha sentiu fome e entrou num pequeno bar
para comer alguma coisa. E ali teve
duas surpresas.
A primeira estava no cardápio,
no qual figurava, além de bebidas
e quitutes diversos, um item que
para ela foi um choque: a pílula do
dia seguinte.
Sim, ela sabia o que era a pílula do
dia seguinte: um medicamento para
ser usado em emergências, como estupros ou rompimento do preservativo, a fim de evitar a gravidez. Situações pelas quais nunca passara, pela
simples razão de que era virgem.
Coisa que as poucas amigas não entendiam: você não é feia, diziam, você é uma mulher simpática, por que
é que você não arranja homem? Pergunta para a qual não tinha resposta.
O certo, porém, é que não precisava
usar anticoncepcionais. O que era
uma evidência de seu fracasso como
mulher.
-Às suas ordens, disse alguém.
Era o garçom que ali estava, diante
dela. Um homem jovem, absurdamente bonito, o homem capaz de
despertar paixões avassaladoras em
qualquer mulher. E então algo aconteceu. Algo que ela só podia explicar
pelo fato de estar longe de casa, e
longe de suas inibições.
-Eu queria a pílula do dia seguinte, disse. Fez uma pausa e acrescentou com um sorriso: -E queria ter
um motivo para usar a pílula do dia
seguinte.
O rapaz não era tolo. Provavelmente aquela não era a primeira turista sequiosa de sexo que encontrava. Baixando a voz, explicou que teria de trabalhar até a meia-noite,
mas que depois estaria livre. Tudo o
que ela precisava fazer era dar-lhe o
endereço do hotel.
Ela recebeu a pílula, pagou (preço
absurdo) e voltou para o hotel. Colocou o seu vestido mais sedutor, maquiou-se cuidadosamente e ficou à
espera do príncipe encantado.
Que nunca apareceu. Meia-noite,
uma hora, duas horas -não apareceu. Cansada, acabou adormecendo.
Sozinha, como de hábito.
Poderia ter voltado ao bar no dia
seguinte para descobrir o que tinha
acontecido. Talvez algum imprevisto, talvez um assalto... Talvez outra
turista sequiosa por usar a pílula do
dia seguinte.
Mas na verdade não queria saber
o que tinha acontecido. Fez a mala,
foi direto para o aeroporto e conseguiu um voo para aquele mesmo dia.
Estava voltando para casa, para
a sua rotineira vidinha. Mas levava
consigo algo que agora representava
a melancólica e frustrada promessa
de um sonho: uma pílula do dia
seguinte.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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