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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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DESAFIO DE GOVERNO

Exploração sexual de crianças e adolescentes se intensificou na semana que antecedeu o Carnaval

Prostituição de jovens aumenta no Rio

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Menos de dois meses depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar em sua primeira reunião ministerial que o combate à prostituição infanto-juvenil seria ""questão de honra" do novo governo, a exploração sexual de crianças e adolescentes se intensificou no Rio na semana que antecedeu o Carnaval.
Garotas de outros bairros cariocas, cidades fluminenses, Distrito Federal e Estados como São Paulo e Espírito Santo se juntaram às que habitualmente se prostituem em Copacabana. O bairro da zona sul é a principal concentração de turistas nacionais e estrangeiros, especialmente à noite.
As jovens buscam clientes na pista da av. Atlântica, junto aos carros, nas calçadas, em bares, restaurantes e diante de boates.
No começo da madrugada de sexta-feira, a carioca de Bonsucesso (zona norte) Ellen (nome fictício, como o de todas as menores de idade nesta reportagem), 17 anos declarados, oferecia o programa de uma hora por R$ 100, mais R$ 40 para pagar o hotel (de endereço não revelado).
Ao seu lado, Cátia, 16, cobrava o mesmo preço. Uma terceira amiga, aparentemente mais nova, negou-se a dizer a idade. Estavam em frente à boate Help.
Na noite de quarta-feira, na Barra da Tijuca (bairro de elite da zona oeste), Maria Luísa, jurando 18 anos e aparentando menos, pedia R$ 80 pelo programa. Ela fazia ponto à altura do posto 3 da av. Sernambetiba. Na av. Érico Veríssimo, duas adolescentes abordavam os motoristas no ponto de ônibus mais próximo da praia.
Ellen e Maria Luísa contam uma história cada vez mais comum. Elas são jovens viúvas. Os companheiros de ambas morreram, dizem, em conflitos do tráfico de drogas. Ellen cria sozinha o filho de um ano de idade.
Tanto em Copacabana como na Barra, foi fácil encontrar adolescentes se prostituindo -ou sendo exploradas sexualmente, como preferem as ONGs (organizações não-governamentais) que tratam do tema.
De segunda-feira à madrugada da sexta, a Folha não testemunhou nenhuma operação policial ou de órgãos públicos específica de combate à prostituição infanto-juvenil. Contatada pelo jornal, a PF (Polícia Federal) informou que começaria na noite de anteontem ações que se estenderão até a Quarta-Feira de Cinzas.
O Ministério da Justiça anunciou uma operação especial de combate à prostituição de crianças e adolescentes durante o Carnaval em todo o país. Participam seis ministérios e duas secretarias especiais da Presidência. Oficialmente, a operação teve início no sábado retrasado, em Recife.
Pelo menos no Rio, contudo, a ""campanha socioeducativa" direcionada ""à população brasileira, turistas estrangeiros e nacionais" parece menos efetiva do que a do ano passado.
Em 2002, a Embratur entregou à saída dos vôos com origem em outros países panfletos alertando para o caráter criminoso da exploração sexual de menores (pena de quatro a dez anos de reclusão). Conforme a empresa, neste ano não está prevista a distribuição dos panfletos nem a exibição, como há um ano, de vídeos em vôos internacionais.
A Riotur não promove campanha específica contra a prostituição infanto-juvenil. A empresa prevê que 388 mil turistas (30% dos quais estrangeiros) viajem ao Rio no Carnaval. A cidade é a que mais recebe visitantes estrangeiros (29% do total), de acordo com os números de 2001 da Embratur. É a preferida de 42% dos italianos.
Um ano atrás, a então secretária de Estado de Ação Social, a hoje governadora Rosinha Matheus, comandou 600 jovens que foram à orla distribuir propaganda em quatro idiomas. Agora, não ocorreu nada semelhante.
Ao contrário, as prostitutas adultas de um dos mais tradicionais redutos de turismo sexual no Rio, o pedaço da praia de Copacabana em frente ao hotel Othon Palace, passaram a dividir fregueses com as adolescentes.
Embora Copacabana seja o bairro onde mais crianças (até 11 anos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente) e adolescentes (até 17) prostituídos são encaminhados a órgãos de assistência, a Operação 12 de Outubro (referência ao Dia da Criança), realizada pela PF em janeiro, só fez prisões na Vila Mimosa.
No tradicionalíssimo baixo meretrício na região central do Rio, 25 pessoas foram presas, inclusive dois homens flagrados fazendo sexo com menores. A Polícia Federal informou ter realizado diligências em Copacabana, mas lá, onde a prostituição infanto-juvenil é mais rentável, ninguém foi detido.

Sonhos
De cada quatro menores explorados sexualmente que são encaminhados à Fundação da Infância e Adolescência (Secretaria de Estado de Ação Social e Cidadania), um é abordado em Copacabana (25% dos casos do município). Depois de Copacabana, seguem as praças 15 e Mauá (centro, 9,4% na soma das duas), Barra da Tijuca (8,3%) e praça da Bandeira (arredores da Vila Mimosa, 7,8%).
No Estado, de 560 casos acompanhados sistematicamente desde 2000, os Crias (Centros de Referência Para a Infância e Adolescência) acolheram mais garotas (79,3%) e garotos (20,7%, a maioria homossexuais) de 17 anos (26%). De 16 anos, foram 25%. De 15 anos, 17,2%. De 14 anos, 13,3%. De 13 anos, 9,8%.
Dez meninas de dez anos foram encontradas, a maioria em Copacabana. Suspeitou-se que uma delas, que já havia menstruado, estivesse grávida. Diagnosticou-se ""gravidez psicológica".
Na terça à tarde, a jovem Michele, de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), pediu numa mesa do bar Mab's, na av. Atlântica, R$ 150 pelo programa. Depois que o repórter se identificou como tal, e não como candidato aos seus serviços, reconheceu não ter 18 anos, como dizia, mas 16. Uma amiga a contradisse: seriam 15.
Antes de sair com um turista alemão, Michele disse sonhar com o príncipe encantado estrangeiro que a levaria do Brasil para um destino de felicidade. Poucas alcançam o sonho recorrente -a esmagadora maioria é de adultas.
Jéssica, uma antiga menina de rua que fugiu de casa e se prostituía em Copacabana, chegou lá. Há pouco menos de dois meses, com um passaporte obtido graças a uma carteira de identidade falsa, com a idade adulterada, partiu com um italiano.


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