São Paulo, segunda, 2 de março de 1998

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DESABAMENTO 2
Moradores se emocionam ao encontrar fotos, cartas e brinquedos
Nos escombros, famílias garimpam memória afetiva

trega a morador do edifício Palace 2 relógio localizado nos escombros Anderson Barros (à dir.) observa, ao lado de outros moradores do Palace 2, os trabalhos de remoção dos escombros do edifício MÁRIO MAGALHÃES
da Sucursal do Rio

A estudante de jornalismo Roberta Barros sonha em encontrar um pequeno hipopótamo de pelúcia que a filha Rebeca, 4, insiste em pedir de volta. A médica Rosana Moreira quer achar as fichas perdidas de todos os seus pacientes em 11 anos de profissão.
A consultora tributária Ana Paulo Affonso se dará por satisfeita se, das suas fotos, recuperar a que escolheu para um porta-retrato do seu quarto: ela, o marido Roberto e o filho João Vítor, 5, vestidos com a camisa do Flamengo.
O domingo marcou, com esperança, choro, frustração e reencontros, o começo da garimpagem de objetos nas ruínas do bloco 2 do condomínio Palace, na Barra da Tijuca (zona sul do Rio).
Para dezenas de moradores, tão importantes quanto documentos, até mesmo os referentes ao prédio que ruiu, são fotografias, cartas, brinquedos -os registros da memória afetiva de quem deixou tudo para trás ao fugir da queda iminente do edifício.
Por coincidência, o primeiro documento a ser encontrado no sábado à tarde, quando começaram a ser removidos os escombros da parte do Palace 2 que despencou na madrugada do domingo retrasado, foi uma cópia do diploma do médico Milton Martins.
Menos de 12 horas depois, o corpo de Martins era resgatado ao lado dos cadáveres da mulher e da filha, já em decomposição.
Dono de uma empresa de informática, Guilherme Lopes perdeu mais de R$ 30 mil em softwares (programas) ao sair correndo do seu apartamento.
Se lhe dessem a oportunidade, sabe o que optaria por salvar: "Uma foto que tirei de Edna, minha mulher, na varanda do prédio", disse, emocionado.
A estudante Roberta Barros sobreviveu porque pulou do primeiro andar com o marido, que fraturou o tornozelo. "Minha vida se divide em antes e depois. No dia em que eu esquecer alguma coisa, sem as fotos, elas se apagarão", disse Roberta, enquanto procurava pertences de vizinhos.
Ontem, os moradores só garimparam -o verbo é empregado por eles- o que estava mais exposto. A partir de hoje, a empresa que implodiu o prédio coordenará o trabalho, observada por dois oficiais de Justiça.
Com medo de saques, os moradores montaram guardas que se revezam durante todo o dia.
Tudo será devolvido às vítimas -até fotografias íntimas, muito íntimas, como algumas encontradas ontem. Entre rasgá-las ou jogá-las no lixo, decidiram: vão entregá-las aos legítimos donos.



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