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SEGURANÇA
Dirigente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras diz que falta colaboração de outros órgãos federais
Dinheiro sujo é vigiado por 19 técnicos
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Criado por orientação do então
presidente Fernando Henrique
Cardoso para detectar e rastrear a
movimentação de dinheiro sujo,
o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) recebe
uma média mensal de 350 notificações de operações suspeitas.
Sob críticas de inoperância, o chefe do órgão, Marcos Caramuru de
Paiva, 49, reconhece: "Somos
poucos diante do desafio".
Caramuru comanda um time
de 18 técnicos. Monitoram negócios à procura de indícios de lavagem de dinheiro. São aquisições
imobiliárias, movimentações
bancárias, compras de ações, apólices de seguro e até obras de arte e
pedras preciosas.
Embora vinculado ao Ministério da Fazenda, o Coaf se ressente
de falta de colaboração do próprio ministério. "Nosso trabalho
seria facilitado se houvesse atuação em conjunto entre o próprio
conselho, a Receita [Federal", o
Ministério Público e a Polícia Federal", diz Caramuru.
Ressalta que o Coaf não tem poderes para investigar nem para
bloquear contas suspeitas no Brasil ou no exterior. É por isso que o
Ministério da Justiça planeja criar
o Departamento de Recuperação
de Ativos Financeiros.
Caramuru diverge da PF ao afirmar que os doleiros não são a
principal peça da engrenagem
montada para lavar recursos de
origem ilícita. "Existe a tentação
de afirmar que toda operação de
lavagem de dinheiro se converte
em uma operação de ativos em
dólar remetidos para o exterior. É
um erro." Abaixo, a entrevista:
Folha - Qual é o tamanho da lavanderia de dinheiro no Brasil?
Marcos Caramuru de Paiva - Não
há estimativa.
Folha - Há uma modalidade predominante de lavagem?
Paiva - Os tipos são muitos.
Exemplos: compra de bilhetes
premiados -e por isso recebemos regularmente da Caixa Econômica [Federal" a lista dos ganhadores-, contratos de seguro
focados no próprio cancelamento
mediante o pagamento de uma
quantia, venda de imóvel com valor muito superior ao da compra.
O mercado imobiliário interno é
uma opção muito recorrente.
Folha - E os doleiros?
Paiva - Doleiro é uma opção para remeter esses recursos para o
exterior e depois trazê-los de volta, por exemplo, como uma operação de empréstimo de uma empresa no exterior para outra aqui
no Brasil. O Coaf não faz investigação. Somos um serviço de inteligência. Se há uso de doleiro para
uma operação lá fora, que não
passa pelas vias oficiais, isso não
chegará ao nosso conhecimento,
salvo em caso de uma denúncia.
Existe a tentação de afirmar que
toda operação de lavagem de dinheiro se converte em uma operação de ativos em dólar remetidos
para o exterior. É um erro.
Folha - Os órgãos que combatem
a lavagem de dinheiro dizem que o
Coaf não funciona. Criticam o fato
de autoridades suíças terem informado o Brasil sobre o dinheiro do
fiscal Rodrigo Silveirinha Corrêa,
do Estado do Rio de Janeiro.
Paiva - Não acho vergonha.
Acho ótimo. Fazemos parte do
acordo de Egmont, que reúne 69
países, com o compromisso de informar um ao outro sobre operações financeiras suspeitas. Nesse
caso específico, se foi operação irregular, provavelmente não passou pelo sistema. Não teríamos
acesso. Mas há na nossa cultura
uma prática de dizer: mas não tinha um órgão cuidando disso?
Nossa função não é bloquear
bens. Esse é um papel que só cabe
ao Judiciário, em âmbito nacional, e ao Ministério da Justiça, no
exterior, num processo complexo
que envolve também o Itamaraty.
Folha - Talvez as críticas ao Coaf
sejam decorrentes da frustração
com a impunidade.
Paiva - Essa frustração existe e é
legítima. Mas os recursos para o
trabalho de combate ao crime são
e serão sempre limitados. Nós somos poucos diante do desafio. Há
150 mil imobiliárias que têm a
obrigação legal de nos informar a
respeito de operações que considerem suspeitas. Mas na outra
ponta ainda não está claro como
faremos a fiscalização.
Folha - E o caso das factorings
[empresas que "compram" créditos de cheques pré-datados", também apontadas pela PF como uma
opção de lavagem?
Paiva - Diria que ainda não há
um entendimento claro sobre
quem fiscaliza as factorings. O Estado sempre terá meios limitados.
O importante é que possamos
juntar forças e trabalhar em conjunto com todos os órgãos com os
quais a lavagem de dinheiro se relaciona. Há questões que dificultam, a começar do sigilo bancário.
Não dá para abrir o sigilo de uma
pessoa em uma reunião. Existem
os limites legais. Nosso trabalho
seria facilitado se houvesse atuação conjunta de Coaf, Receita, Ministério Público e Polícia Federal
-procedimento que estamos começando a organizar.
Folha - Quantos técnicos trabalham hoje no Coaf?
Paiva - A equipe tem 27 pessoas.
Desse grupo, entre 15 e 18 técnicos
trabalham na análise de dados.
Das 27, 12 pertencem à estrutura
do Coaf. As demais são servidores
deslocados de outros órgãos.
Nossa estrutura é enxuta. Nosso
grande ganho é que esses técnicos
são auditores experientes, supervisores bancários que sabem lidar
com o sistema financeiro.
Folha - Há demanda represada?
Paiva - Não é que tenha demanda represada, mas quanto mais a
estrutura de pessoal melhorar,
melhor será a análise de dados. O
computador não faz tudo.
Folha - Quando vai melhorar?
Paiva - O prazo previsto para as
atividades dos servidores deslocados vence no final de abril.
Folha - Quantos técnicos seriam
necessários para o Coaf incrementar seu trabalho?
Paiva - Não vou discutir isso pela
imprensa. É questão interna.
Folha - Como o senhor avalia o
desempenho do Coaf?
Paiva - Está aquém da necessidade e importância do tema, mas
ainda assim estamos bem. Não
acho que sejamos ótimos, mas a
tarefa é nova e difícil. O Financial
Action Task Force [acordo internacional com recomendações para combate à lavagem de dinheiro" é de meados dos anos 90 e está
sendo reformulado agora. A Alemanha está se credenciando agora para ingressar no tratado de
Egmont. Há tendências mundiais
que se acentuaram quando se tornou evidente que transações financeiras internacionais lícitas ou
ilícitas sustentaram os atentados
de 11 de Setembro, mostrando a
importância de ampliar a fiscalização. Há a tendência de aumentar os crimes antecedentes [os tipos geradores do dinheiro ilícito
movimentado], o número de co-responsáveis pelas operações de
lavagem e de fazer com que os
bancos conheçam realmente seus
clientes e sejam capazes de fiscalizar na ponta a incompatibilidade
entre uma operação e o seu titular. Mas tudo isso tem um custo e
um tempo para funcionar.
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