São Paulo, domingo, 02 de abril de 2006

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TOQUE FEMININO

Presença de condutoras ganha cada vez mais espaço nas empresas em uma área dominada por homens

Mulheres assumem o volante no transporte

ALENCAR IZIDORO

LUCAS NEVES
FABIO SCHIVARTCHE

DA REPORTAGEM LOCAL

O pai de Lourdes Pires de Campos, 47, não tinha nem mesmo carro, mas desde criança ela era fascinada por ônibus e caminhão.
Magda Martins, 40, adorava ficar na parte dianteira do ônibus, ao lado do "piloto", a caminho do trabalho, na época em que atuava como assistente administrativa.
Marcia Cristine Ferreira da Silva, 37, é casada com um homem que não tem carteira de habilitação e não sabe dirigir, mas nem sequer imaginou fugir do ramo de seu pai e de seus seis irmãos.
Mais do que simplesmente motoristas profissionais, as três ajudaram a romper, no final de 2005, um preconceito antigo do setor: elas se tornaram as primeiras mulheres a dirigir ônibus rodoviários em viagens regulares da viação Cometa, fundada em 1948.
As motoristas têm atuado em linhas entre a capital paulista e cidades do interior, como Sorocaba e Campinas. O sindicato patronal e a viação não têm conhecimento de outras mulheres nesse tipo de trajeto na história do segmento.
E a "invasão feminina" só está começando. A Cometa planeja ter até 25% de seus motoristas do sexo feminino nos próximos anos, desmistificando a imagem de que "mulher no volante é um perigo constante", já desmentida por estatísticas de acidentes de trânsito.
Em 2004, as mulheres tinham mais de 9 milhões das carteiras de habilitação do país, 28% do total -mas eram só 7,42% dos 179 mil motoristas identificados em acidentes nas rodovias federais.
"De um lado, muitas vezes, há insuficiência de homens qualificados. E elas também sabem lidar bem com os passageiros", afirma Ivan Comodaro, da Cometa, que contratou ainda uma jovem para consertar ônibus na oficina de Itapetininga (leia texto ao lado).
Em ônibus urbanos, a presença feminina no volante é pequena, mas já existe há mais tempo.
É o caso de Ana Paula Pina, 24. Unhas sempre pintadas, cabelo castanho preso, ela conduz diariamente o coletivo 25007 no trajeto Pinheiros-Cohab Jardim Antártica, na periferia de São Paulo. Única motorista entre os 128 funcionários da garagem onde trabalha, ela também reina sozinha na disputa pelo maior saldo de elogios.
"Vou mudar meus horários para pegar sempre esse ônibus", comentava o office-boy Ricardo Mourão, no dia em que a Folha percorreu os 30 quilômetros que ela roda em uma hora e meia.
Estilo mignon, 1,58 m de altura, Pina compensa a pequenez com tamancos de salto alto -que também a ajudam a enfrentar flertes mais ousados. Mas, em geral, leva tudo com muito bom humor. "Teve um garoto que subiu, me viu e achou que estava numa pegadinha da TV. É cada um que aparece no meu ônibus", conta.

Veículo pesado
Depois de seis meses de prática, a motorista Angélica Bernardes, 1,56 m e 50 kg, não se assusta mais com as dimensões de seu local de trabalho: um caminhão-munck (equipado com braço mecânico usado no transporte de máquinas da indústria siderúrgica) de 2 m de altura por 5,20 m de comprimento e peso de sete toneladas.
Em Ouro Branco (a 116 km de Belo Horizonte), ela é a única mulher a dirigir um veículo pesado em uma cooperativa de transporte que presta serviços para a siderúrgica Gerdau. "Mas isso não é problema, porque muita gente me ajuda. Na parte braçal, não faço nada sozinha", afirma.
O altruísmo não veio sem antes Bernardes ouvir comentários do tipo "essa mulherada tá tomando a "boca" da gente". O machismo dita até hoje a avaliação de seu trabalho. "Se bato em algum lugar, dizem que é porque sou mulher."
Stella Renata Lopes, operadora de retrodemolidora -usada na manutenção de um aparelho que transforma ferro em aço- na mesma Ouro Branco há um ano e seis meses, critica a brutalidade masculina. "Mulher tem paciência para buscar meios mais seguros de realizar um serviço. Homem quer fazer e ficar livre."
No comando de um veículo de 7,20 m de comprimento por 4,25 m de altura, ela diz que, com a presença feminina, a empresa "ganha em produtividade e análise de riscos, além de gastar menos com máquinas quebradas".
Os planos de admissão da empresa na qual Lopes trabalha confirmam esse potencial. "Pretendemos contratar mais. Os clientes elogiam a cordialidade e os cuidados com segurança e manutenção do equipamento", afirma a gerente administrativa da Dhamq, Kellen de Magalhães.


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