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TOQUE FEMININO
Presença de condutoras ganha cada vez mais espaço nas empresas em uma área dominada por homens
Mulheres assumem o volante no transporte
ALENCAR IZIDORO
LUCAS NEVES
FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL
O pai de Lourdes Pires de Campos, 47, não tinha nem mesmo
carro, mas desde criança ela era
fascinada por ônibus e caminhão.
Magda Martins, 40, adorava ficar na parte dianteira do ônibus,
ao lado do "piloto", a caminho do
trabalho, na época em que atuava
como assistente administrativa.
Marcia Cristine Ferreira da Silva, 37, é casada com um homem
que não tem carteira de habilitação e não sabe dirigir, mas nem
sequer imaginou fugir do ramo de
seu pai e de seus seis irmãos.
Mais do que simplesmente motoristas profissionais, as três ajudaram a romper, no final de 2005,
um preconceito antigo do setor:
elas se tornaram as primeiras mulheres a dirigir ônibus rodoviários
em viagens regulares da viação
Cometa, fundada em 1948.
As motoristas têm atuado em linhas entre a capital paulista e cidades do interior, como Sorocaba
e Campinas. O sindicato patronal
e a viação não têm conhecimento
de outras mulheres nesse tipo de
trajeto na história do segmento.
E a "invasão feminina" só está
começando. A Cometa planeja ter
até 25% de seus motoristas do sexo feminino nos próximos anos,
desmistificando a imagem de que
"mulher no volante é um perigo
constante", já desmentida por estatísticas de acidentes de trânsito.
Em 2004, as mulheres tinham
mais de 9 milhões das carteiras de
habilitação do país, 28% do total
-mas eram só 7,42% dos 179 mil
motoristas identificados em acidentes nas rodovias federais.
"De um lado, muitas vezes, há
insuficiência de homens qualificados. E elas também sabem lidar
bem com os passageiros", afirma
Ivan Comodaro, da Cometa, que
contratou ainda uma jovem para
consertar ônibus na oficina de Itapetininga (leia texto ao lado).
Em ônibus urbanos, a presença
feminina no volante é pequena,
mas já existe há mais tempo.
É o caso de Ana Paula Pina, 24.
Unhas sempre pintadas, cabelo
castanho preso, ela conduz diariamente o coletivo 25007 no trajeto
Pinheiros-Cohab Jardim Antártica, na periferia de São Paulo. Única motorista entre os 128 funcionários da garagem onde trabalha,
ela também reina sozinha na disputa pelo maior saldo de elogios.
"Vou mudar meus horários para pegar sempre esse ônibus", comentava o office-boy Ricardo
Mourão, no dia em que a Folha
percorreu os 30 quilômetros que
ela roda em uma hora e meia.
Estilo mignon, 1,58 m de altura,
Pina compensa a pequenez com
tamancos de salto alto -que
também a ajudam a enfrentar
flertes mais ousados. Mas, em geral, leva tudo com muito bom humor. "Teve um garoto que subiu,
me viu e achou que estava numa
pegadinha da TV. É cada um que
aparece no meu ônibus", conta.
Veículo pesado
Depois de seis meses de prática,
a motorista Angélica Bernardes,
1,56 m e 50 kg, não se assusta mais
com as dimensões de seu local de
trabalho: um caminhão-munck
(equipado com braço mecânico
usado no transporte de máquinas
da indústria siderúrgica) de 2 m
de altura por 5,20 m de comprimento e peso de sete toneladas.
Em Ouro Branco (a 116 km de
Belo Horizonte), ela é a única mulher a dirigir um veículo pesado
em uma cooperativa de transporte que presta serviços para a siderúrgica Gerdau. "Mas isso não é
problema, porque muita gente
me ajuda. Na parte braçal, não faço nada sozinha", afirma.
O altruísmo não veio sem antes
Bernardes ouvir comentários do
tipo "essa mulherada tá tomando
a "boca" da gente". O machismo
dita até hoje a avaliação de seu trabalho. "Se bato em algum lugar,
dizem que é porque sou mulher."
Stella Renata Lopes, operadora
de retrodemolidora -usada na
manutenção de um aparelho que
transforma ferro em aço- na
mesma Ouro Branco há um ano e
seis meses, critica a brutalidade
masculina. "Mulher tem paciência para buscar meios mais seguros de realizar um serviço. Homem quer fazer e ficar livre."
No comando de um veículo de
7,20 m de comprimento por 4,25
m de altura, ela diz que, com a
presença feminina, a empresa
"ganha em produtividade e análise de riscos, além de gastar menos
com máquinas quebradas".
Os planos de admissão da empresa na qual Lopes trabalha confirmam esse potencial. "Pretendemos contratar mais. Os clientes
elogiam a cordialidade e os cuidados com segurança e manutenção
do equipamento", afirma a gerente administrativa da Dhamq, Kellen de Magalhães.
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