São Paulo, segunda-feira, 02 de abril de 2007

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MOACYR SCLIAR

Arte não se discute


Perfeita, a obra: uma mulher com vestido muito curto e justo, segurando a clássica bolsinha e sorrindo  

Amsterdã terá estátua em homenagem a prostitutas. O "bairro da luz vermelha", em Amsterdã (Holanda), terá uma estátua de bronze dedicada às prostitutas do mundo, informa a agência de notícias holandesa ANP. Folha Online

QUANDO O prefeito daquela pequena cidade brasileira leu a notícia sobre a estátua que homenagearia as prostitutas em Amsterdã teve o que depois ele denominaria de "uma verdadeira revelação". Porque tratava-se, em primeiro lugar, de uma idéia tão ousada quanto original. Em segundo lugar, vinha a calhar para a cidadezinha que administrava. Que tinha, em sua visão, dois problemas. Em primeiro lugar era pequena, pobre e sem atrativos. Mas o que faltava em recursos, sobrava em prostituição. Ao longo dos anos, o lugarejo se transformara em parada obrigatória para os caminhoneiros que vinham do sul e que iam direto para o bairro dos bordéis.
O que dera certa fama à cidade; uma fama que incomodava o prefeito e os cidadãos respeitáveis. Agora: por que não transformar o limão em limonada? Uma estátua de prostituta (e o prefeito imaginava algo gigantesco, capaz de ser avistado de longe) atrairia turistas e representaria fonte de renda, além de conquistar votos das mulheres de má vida.
Falou com o secretariado, com a Câmara de Vereadores, obteve o apoio necessário sob forma de uma verba que, com boa vontade, daria para concluir o projeto. Agora, era preciso encontrar o artista.
O dono do jornal, um homem culto, ajudou. Ele conhecia, na capital, um escultor capaz de fazer o serviço. A pedido do prefeito, fez o contato. O artista aceitou a proposta e avisou que chegaria no fim da semana.
O prefeito preparou-se para recebê-lo, afinal, não era todo dia que um artista vinha à cidade. Para isso, ofereceria um jantar de arromba, e encarregou a mulher de prepará-lo. Ela, mulher tímida, reservada, ficou muito apreensiva. Mas disse que daria o melhor de si para que a festa estivesse à altura do convidado.
Veio o escultor, compareceu ao jantar. E, coisa estranha, não tirava os olhos da mulher do prefeito. Ela ficou perturbada, e depois do jantar falou sobre isso ao marido, que não deu muita importância.
O escultor começou a trabalhar, num vasto galpão construído para este fim. Não tinha ajudantes, e não queria que ninguém entrasse ali. Finalmente, a obra de arte ficou pronta. Prefeito, secretariado, vereadores e líderes locais foram todos ao galpão para vê-la.
Perfeita, a obra: uma mulher com vestido muito curto e justo, segurando a clássica bolsinha e sorrindo, sedutora. Enfim, exatamente o que fora pensado. Mas havia um detalhe, extremamente perturbador.
A mulher da estátua era igual à mulher do prefeito. Igual: os mesmos olhos, a mesma boca, os cabelos, tudo igual. Quando o prefeito se deu conta, ficou escandalizado. Mas o escultor não se abalou: o artista tem o direito de se guiar por sua imaginação, disse. Surpreendentemente, a mulher do prefeito concordou. Para ela, aquilo era uma homenagem. Homenagem estranha, mas homenagem.
A estátua está lá, na entrada da cidade. Volta e meia a mulher do prefeito vai olhá-la. Imagina-se então de vestido curto e muito justo, rodando a bolsinha e fazendo sinais para os caminhoneiros. E a verdade é que esta fantasia não lhe desagrada nem um pouco.


MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha de S.Paulo.


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