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MOACYR SCLIAR
Arte não se discute
Perfeita, a obra: uma mulher com vestido muito curto e justo, segurando a clássica bolsinha e sorrindo
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Amsterdã terá estátua em homenagem a
prostitutas. O "bairro da luz vermelha",
em Amsterdã (Holanda), terá uma estátua de bronze dedicada às prostitutas do
mundo, informa a agência de notícias
holandesa ANP. Folha Online
QUANDO O prefeito daquela pequena cidade brasileira leu a
notícia sobre a estátua que
homenagearia as prostitutas em
Amsterdã teve o que depois ele denominaria de "uma verdadeira revelação". Porque tratava-se, em primeiro lugar, de uma idéia tão ousada
quanto original. Em segundo lugar,
vinha a calhar para a cidadezinha
que administrava. Que tinha, em sua
visão, dois problemas. Em primeiro
lugar era pequena, pobre e sem atrativos. Mas o que faltava em recursos,
sobrava em prostituição. Ao longo
dos anos, o lugarejo se transformara
em parada obrigatória para os caminhoneiros que vinham do sul e que
iam direto para o bairro dos bordéis.
O que dera certa fama à cidade; uma
fama que incomodava o prefeito e os
cidadãos respeitáveis. Agora: por
que não transformar o limão em limonada? Uma estátua de prostituta
(e o prefeito imaginava algo gigantesco, capaz de ser avistado de longe) atrairia turistas e representaria fonte de renda, além de conquistar
votos das mulheres de má vida.
Falou com o secretariado, com a
Câmara de Vereadores, obteve o
apoio necessário sob forma de uma
verba que, com boa vontade, daria
para concluir o projeto. Agora, era
preciso encontrar o artista.
O dono do jornal, um homem culto, ajudou. Ele conhecia, na capital,
um escultor capaz de fazer o serviço.
A pedido do prefeito, fez o contato. O
artista aceitou a proposta e avisou
que chegaria no fim da semana.
O prefeito preparou-se para recebê-lo, afinal, não era todo dia que um
artista vinha à cidade. Para isso, ofereceria um jantar de arromba, e encarregou a mulher de prepará-lo.
Ela, mulher tímida, reservada, ficou
muito apreensiva. Mas disse que daria o melhor de si para que a festa estivesse à altura do convidado.
Veio o escultor, compareceu ao
jantar. E, coisa estranha, não tirava
os olhos da mulher do prefeito. Ela
ficou perturbada, e depois do jantar
falou sobre isso ao marido, que não
deu muita importância.
O escultor começou a trabalhar,
num vasto galpão construído para
este fim. Não tinha ajudantes, e não
queria que ninguém entrasse ali. Finalmente, a obra de arte ficou pronta. Prefeito, secretariado, vereadores e líderes locais foram todos ao
galpão para vê-la.
Perfeita, a obra: uma mulher com
vestido muito curto e justo, segurando a clássica bolsinha e sorrindo, sedutora. Enfim, exatamente o que fora pensado. Mas havia um detalhe,
extremamente perturbador.
A mulher da estátua era igual à
mulher do prefeito. Igual: os mesmos olhos, a mesma boca, os cabelos, tudo igual.
Quando o prefeito se deu conta, ficou escandalizado. Mas o escultor
não se abalou: o artista tem o direito
de se guiar por sua imaginação, disse. Surpreendentemente, a mulher
do prefeito concordou. Para ela,
aquilo era uma homenagem. Homenagem estranha, mas homenagem.
A estátua está lá, na entrada da cidade. Volta e meia a mulher do prefeito vai olhá-la. Imagina-se então
de vestido curto e muito justo, rodando a bolsinha e fazendo sinais
para os caminhoneiros. E a verdade
é que esta fantasia não lhe desagrada
nem um pouco.
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha de S.Paulo.
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